quarta-feira, novembro 08, 2017

Wim Wenders em Lisboa (3/3)

O Eden que já não existe
[FOTO: Cinemas do Paraíso]
Wim Wenders é um militante defensor da diversidade do cinema e da cultura europeia, não se cansando de chamar a atenção para as exigências da nova conjuntura digital — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Outubro), com o título 'O amigo alemão'.

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Conheci Wim Wenders em 1990, tendo-o acompanhado numa visita ao Cine-Teatro Eden (juntamente com o produtor Paulo Branco e Manuel S. Fonseca, então meu colega de trabalho na secção de cinema do semanário Expresso). O cineasta alemão procurava um cenário para uma cena de Até ao Fim do Mundo. A cena foi, de facto, rodada no Eden, tendo o filme estreado em 1991, numa versão amputada que Wenders nunca reconheceu — a versão integral só foi reposta em 2015 (tendo sido exibida, nesse ano, no Lisbon & Estoril Film Festival).
Cruzando essas memórias com as palavras de Wenders sobre a urgência de defender o património cultural europeu (e não apenas no domínio cinematográfico), reencontro a tristeza imensa que é ver importantes referências arquitectónicas da cidade de Lisboa (como o Eden) “modernizadas” em função das mais indiferentes lógicas de “progresso”. Aliás, sabemos que há casos ainda mais trágicos, como o do velho Monumental, na Praça do Saldanha: não tivesse desaparecido do mapa, seria hoje, por certo, um símbolo exemplar da idade de ouro do consumo cinematográfico em toda a Europa.
Não recordo isto para favorecer qualquer “tribunal” de tipo televisivo empenhado em listar “culpados” e “inocentes”. A realidade crua é mais complexa e menos espectacular. Acontece que as formas de criação e intervenção cívica de personalidades como Wenders nascem, de facto, de uma genuína vontade de preservação daquilo que, sendo passado, nos enriquece enquanto habitantes do presente. Mais do que isso: a relação com tal passado afigura-se vital na inteligência que podemos inscrever no nosso presente. Eis um labor a que o espaço jornalístico pode e deve continuar atento. Seria interessante que todas as entidades políticas manifestassem a mesma disponibilidade.