quinta-feira, novembro 02, 2017

Os 17 anos filmados por Téchiné

Kacey Mottet Klein e Corentin Fila
Como vemos/representamos a juventude? Um grande filme de André Téchiné ajuda-nos a reflectir — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 Outubro), com o título 'Como ver e pensar a juventude?'.

No actual contexto mediático e social, quais são as mais poderosas imagens da juventude? São imagens que combinam o consumismo e a irresponsabilidade como valores de comportamento. Observem-se as representações publicitárias mais frequentes: os jovens surgem como histéricos consumidores dos novos “gadgets” da tecnologia ou, muitas vezes ligando uma coisa à outra, como protagonistas de cenários de festa mais ou menos barulhentos.
Não é fácil pensar tais representações. O simples reconhecimento da sua existência tende a ser abafado pela ideologia “social” dominante. Perguntarão os respectivos ideólogos: vamos, então, menosprezar todas as maravilhas tecnológicas que temos ao nosso dispor? Ou ainda, num registo mais grosseiro: agora os jovens já não se podem divertir?
Escusado será sublinhar que não é nada disso que está em jogo. Acontece que o esquematismo dessas representações — sustentado por uma massiva ocupação do espaço público — instala uma barreira prática e argumentativa capaz de bloquear qualquer pensamento sério (não “publicitário”) sobre a complexidade da juventude, suas relações, alegrias e medos.
Eis um pequeno grande sinal de uma atitude diferente: Quando Se Tem 17 Anos, filme de André Téchiné lançado esta semana no mercado português, possui um grau de exigência na abordagem dos jovens que começa, não por acaso, no misto de intensidade dramática e verosimilhança psicológica que distingue os seus actores. Kacey Mottet Klein e Corentin Fila são admiráveis na interpretação de uma relação homossexual cuja dramaturgia está muito para além de qualquer visão paternalista ou redentora das convulsões da adolescência.
Obviamente retomando componentes que passam por vários dos seus filmes — com destaque para A Culpa dos Inocentes (1987), Os Juncos Silvestres (1994) e Alice e Martin (1998) —, Téchiné evita a armadilha de eleger a descoberta sexual como “tema” obrigatório. A espantosa intensidade emocional do seu cinema enraíza-se numa visão em que o íntimo e o social, o individual e o colectivo, o material e o simbólico se apresentam sempre enredados em situações que, no limite, desafiam a adequação de cada ser humano à sua verdade mais pura.
Como bem sabemos, os valores dominantes do mercado não privilegiam filmes como Quando Se Tem 17 Anos na sua relação com os espectadores mais jovens (em boa verdade, com qualquer faixa etária de público). O que significa que Téchiné, eventualmente contra a sua própria vontade criativa, se tornou um cineasta de resistência.