sábado, setembro 23, 2017

"Avatar" no pequeno ecrã

E se alguma verdade de um filme como Avatar ganhasse em ser vista num ecrã televisivo? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Setembro), com o título 'Na encruzilhada de “Avatar"'.

Oito anos depois do lançamento nas salas de Avatar (foi no Natal de 2009), reencontro o filme de James Cameron na televisão por cabo (TVCine & Séries). E não posso deixar de reconhecer que esta redescoberta me compele a reavaliar a minha relação relutante com o filme.
Peço alguma indulgência do leitor. Não se trata de reactivar um banal conflito de juízos de valor, polarizado entre o “bom” e o “mau”; aliás, perante objecto tão singular, é normal (parece-me mesmo salutar) que Avatar suscite os maiores contrastes entre os respectivos espectadores. E também ninguém pretende escamotear o lugar nuclear que o filme ocupa na dinâmica industrial e comercial do cinema da última década — com a sua utilização “pioneira” do 3D (sem esquecer que as três dimensões marcam a história do cinema desde a década de 1950), Avatar será mesmo, muito provavelmente, o filme mais influente de todo o século XXI.
James Cameron
Dito isto, confesso o meu escasso entusiasmo pela “novidade” tecnológica. É bem certo que, depois, foram aparecendo alguns (poucos) filmes que, a meu ver, utilizam o 3D de forma subtil, com inevitável destaque para dois títulos de 2011: As Aventuras de Tintin: O Segredo do Licorne, de Steven Spielberg, e A Invenção de Hugo, de Martin Scorsese. Ainda assim, a memória mais forte que tinha de Avatar ligava-se menos às proezas técnicas e mais à sua estrutura de aventura ecológica (esquemática, mas eficaz, um pouco à maneira dos mais nobres clássicos de série B), opondo os humanos ao povo azul do planeta Pandora.
Ora, a revisão de Avatar num ecrã caseiro de televisão envolve uma paradoxal revelação: não só o 3D se torna insolitamente irrelevante, como a composição das imagens (enquadramentos, movimentos e, sobretudo, a espantosa paleta de cores) surge depurada e valorizada. No limite, apetece dizer que a concepção visual de Cameron, resultante de um longo e paciente trabalho de produção (o primeiro esboço de argumento de Avatar surgiu em 1994), é “apenas” tradicional, aplicando e exibindo o 3D como um “gadget”... dispensável.
São sinais e dúvidas de toda uma encruzilhada expressiva, sintomática da complexa conjuntura audiovisual em que vivemos. Por um lado, o 3D, aproximando os filmes de algumas componentes dos jogos de vídeo, tem sido um elemento forte na recuperação de receitas cinematográficas; por outro lado, está ainda por provar a sua pertinência criativa. O que nos conduz a este curioso “absurdo”: Avatar pode ser mais interessante sem 3D, visto num tradicional ecrã caseiro.