É uma tendência dos nossos dias: o academismo televisivo, na sua obsessão clean, surge muitas vezes promovido a imaculado classicismo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Julho), com o título 'O triunfo do maneirismo'.
Bizarro fenómeno dos nossos dias: o apagamento das memórias cinéfilas (o espectador comum conheço Pelé e Eusébio, mas ignora Dreyer ou Renoir) consagrou o formalismo mais ou menos maneirista como “resposta” mais adequada às rotinas televisivas.
Aí o está o exemplo de Lady Macbeth, produção britânica realizada por William Oldroyd, adaptando Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk (1865), do escritor russo Nikolai Leskov (obra na origem de uma ópera de Dmitri Shostakovich e um filme de Andrzej Wajda, respectivamente de 1934 e 1962). As tensões da intriga, cruzando as convulsões sexuais e o impulso criminoso, encontram algum eco na qualidade do elenco (liderado por Florence Pugh), mas o projecto cedo se confunde com o decorativismo de um telefilme de rotina. Conscientemente ou não, Lady Macbeth consagra a noção corrente de produto cultural sério e chique. Que Orson Welles nos acuda...