No dia 19 de Julho, assinalaram-se dez anos sobre a data de emissão do primeiro episódio da série televisiva Man Men — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Julho), com o título '“Mad Men”, os gloriosos anos 60 e as suas tragédias mais íntimas'.
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No meses de Verão de 2007, os mercados audiovisuais viviam dominados pelas sequelas cinematográficas. Em poucas semanas, com típico alarido do marketing planetário, tinham estreado os filmes Piratas das Caraíbas – Nos Confins do Mundo, Harry Potter e a Ordem da Fénix e Homem-Aranha 3, sequelas e continuações de fórmulas em que os grandes estúdios americanos continuavam (e continuam) a apostar. Mas o acontecimento mais emblemático estava nos ecrãs caseiros: o primeiro episódio da série televisiva Mad Men, criada por Matthew Weiner, foi emitido a 19 de Julho de 2007.
Rapidamente promovida a fenómeno de culto, a primeira temporada de Mad Men viria a arrebatar, em 2008, o Emmy de melhor série dramática (distinção que repetiu nos três anos seguintes). Até 2015, seriam produzidos 92 episódios repartidos por sete temporadas. Ao longo desse tempo, Mad Men foi sempre integrada pelo American Film Institute na lista das dez melhores séries do ano.
Enfim, um verdadeiro clássico, gerado à velocidade da televisão. E no sentido mais contundente do classicismo: há um “antes” e um “depois” de Mad Men, uma vez que a série definiu novos padrões de abordagem de uma conjuntura muito particular. A saber: a evolução da publicidade ao longo dos anos 60, em paralelo com as muitas transformações sociais que levaram a questionar modos e valores de comportamento.
Corpo e alma
Mad Men começou por impressionar através da minuciosa e obsessiva figuração dos anos 60. E escusado será sublinhar que o facto de a acção se passar no interior de uma agência de publicidade não é indiferente à exuberância de todo aquele universo. Das linhas rigorosas e sedutoras do guarda-roupa de homens e mulheres às formas de um mobiliário concebido como emblema de uma modernidade triunfante, estávamos perante um universo de cores felizes.
Ou talvez não... A visão de Weiner define-se a partir de um ancestral contraste: naquele bailado de corpos elegantes e ideias ligeiras, será que ainda existe alguma alma? Um dos magníficos cartazes da série avisava-nos para a perturbação inerente a tal dúvida: “Uma série sobre a verdade. E outras áreas igualmente cinzentas”.
Estamos, enfim, perante uma paciente desmontagem das ilusões dos míticos sixties. Era o tempo em que, da eleição de John F. Kennedy à generalização da pílula contraceptiva, o Sonho Americano parecia entrar numa radiosa celebração colectiva. Através de quê? De novas formas de consumo, ligadas, precisamente, aos produtos que a publicidade se empenhava em tornar irresistíveis.
À boa maneira dos melodramas que Hollywood produziu ao longo dos anos 40/50, começa por haver um casal exemplar: Don Draper (Jon Hamm), criador e co-proprietário de uma agência de publicidade, e Betty (January Jones), a sua mulher, símbolo “neutro” do sucesso do marido. De facto, a sua vida íntima, assombrada pelo álcool e pelas muitas infidelidades de Don, é uma tragédia suspensa — e tanto mais quanto tudo aquilo que ele viveu na guerra da Coreia se insinua como um fantasma que recusa desaparecer.
Através de um elenco de invulgar consistência (Elizabeth Moss, John Slattery, Christina Hendricks, Vincent Kartheiser, Kiernan Shipka, etc.), a série de Weiner soube criar um espelho ambíguo de um tempo tradicionalmente evocado como “puro” e “libertador”, na verdade habitado por muitas e dolorosas convulsões. Do machismo quotidiano às mais elaboradas formas de homofobia e anti-semitismo, Mad Men conta histórias que desmentem, ponto por ponto, a felicidade prometida pela publicidade. Sem esquecer que os cigarros estão sempre presentes, em todos os cenários, como se as almas estivessem a consumir-se num fogo sem remissão.