Cate Blanchett e Edward Lachman — rodagem de Carol (2015) |
Duas vezes nomeado para os Oscars, o americano Edward Lachman é um dos grandes diretores de fotografia do cinema contemporâneo. Esteve no FEST, em Espinho, e falou sobre o confronto actual entre película e digital — realizada nesse contexto, esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (3 Julho), com o título '"O digital não deve ser o único meio de contar histórias em cinema"'.
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Num filme como Carol, Cate Blanchett e Rooney Mara tinham, por certo, de compreender exactamente de onde vinha a luz, como se inscreviam na imagem.
É um pouco como num palco: criamos uma paisagem emocional para os actores fazerem o seu trabalho. Por exemplo, em Carol e na série Mildred Pierce, também de Todd Haynes, uma das referências que utilizámos foi Saul Leiter: as personagens das suas fotografias estão, de alguma maneira, aprisionadas no espaço, vêmo-las de modo incompleto, através de portas e janelas, sob os efeitos do clima, etc. Tudo isso acentua a sua própria reserva em relação ao que sentem.
Carol é um filme que rodou com película de Super 16mm. Embora saibamos que não se opõe à utilização do digital, quando e de que modo se decide pela película?
Já tínhamos rodado Mildred Pierce com 16mm e quando apresentámos um segmento da série no Festival de Veneza, em 2011, Todd e eu ficámos francamente impressionados como o resultado aguentava a projecção em grande ecrã. Agradava-nos, sobretudo, o facto de se parecer com alguns filmes rodados há 50 anos, obviamente em película. Conseguíamos, assim, contrariar o cliché do chamado “filme de época” em que tudo tem de parecer limpinho e brilhante.
Nas grandes produções ou nos filmes independentes, parece-lhe que a tendência será para utilizar cada vez menos a película?
O digital tem favorecido a proliferação de filmes independentes de muito pequeno orçamento. Mas quando há um certo nível de exigência, o equipamento digital ainda é mais dispendioso do que o tradicional. Ao mesmo tempo, a Kodak assumiu o compromisso de, nos próximos cinco anos, abrir ou reabrir uma série de laboratórios de película em todo o mundo. Creio também que entre muitos jovens há uma tendência para regressar à película, reconhecendo nela uma especial forma de ver e sentir. Nada disso quer dizer que não se possam contar histórias através do digital, apenas que o digital não deve ser o único meio de contar histórias em cinema.
Quando vê em suporte digital um filme que fotografou em película, alguma vez sentiu que algo se perdeu na transcrição?
Quando vejo uma transcrição em DVD, as marcas da película estão lá, mas quando vejo os meus filmes em Blu-ray, sinto que perdemos a sensação da película. De facto, não gosto do Blu-ray porque manipula demasiado a imagem. Toda essa agitação em torno das transcrições em 6K ou 8K é um fenómeno de marketing — as decisões estão a ser tomadas por engenheiros, não pelos criadores de cinema.