domingo, julho 02, 2017

A revolução de "Okja" (2/2)

Depois da polémica de Cannes, o filme Okja chegou aos ecrãs... da Netflix — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Junho), com o título 'Emotivos e excêntricos'.

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Creio que convém evitarmos a sedução de qualquer fundamentalismo cinéfilo. É verdade que importa não ceder a modernices e ensinar as novas gerações que conhecer um clássico como Lawrence da Arábia (1962) através do telemóvel, ou mesmo do ecrã do computador, é um profundo equívoco — a verdade temática e estética do filme de David Lean não existe fora do grande ecrã (muito grande, de preferência). Mas não é menos verdade que a proliferação de circuitos alternativos para conhecer os filmes é uma dádiva importante das novas tecnologias.
Aliás, é também por isso que o caso Okja tem qualquer coisa de paradoxal, para não dizer absurdo. De facto, não há nenhuma razão (económica, cultural, etc.) para impedir a Netflix, ou qualquer outra plataforma digital, de gerar os seus próprios produtos — afinal de contas, pelo menos desde Twin Peaks (1990-91), as contaminações entre pequenos e grandes ecrãs passaram a ser essenciais na dinâmica criativa de todo o audiovisual. Ao mesmo tempo, não se compreende o que leva a Netflix a produzir um filme como Okja, reservando-o para difusão na Net, quando todo ele é comandado por lógicas de imagem e espectáculo que apelam ao grande ecrã de uma sala escura.
Dir-se-ia que há uma estratégia de investimento, mas não se vislumbra qualquer visão especificamente cinematográfica, muito menos cinéfila. Podemos mesmo consultar o site da Netflix para saber como é que a entidade produtora define o seu próprio produto e encontramos apenas isto: “Este filme pertence à categoria: emotivos, excêntricos”.
Bem sabemos que não é o bom marketing que faz os bons filmes. O certo é que quando o marketing revela estas limitações discursivas, é caso para relançarmos a pergunta mais clássica: de que falamos quando falamos de cinema?