Se olharmos com um mínimo de atenção para estas cinco imagens, descobriremos o que as aproxima:
1 - todas elas reflectem pontos de vista a partir do tablier de algum automóvel (ou veículo de quatro rodas);
2 - todas elas surgem localizadas no tempo, através da inserção de data e hora.
Poderíamos, por exemplo, perguntar: será possível construir um filme apenas a partir destas imagens? Pois bem, a resposta é afirmativa. É com elas que Dmitrii Kalashnikov, cineasta da Bielorrúsia, fabricou o seu admirável The Road Movie, apresentado no FEST - Espinho — acabaria por receber o Lince de Ouro na categoria de longas-metragens documentais.
Aquilo que Kalashnikov consuma é, no essencial, uma invulgar proeza de montagem. As imagens são anódinas, por vezes humorísticas, muitas vezes perturbantes (há vários registos de violentíssimos acidentes) — são imagens de pequenas câmaras que milhões de cidadãos russos passaram a usar, de modo a terem recursos para utilizar em eventuais situações de tribunal por causa de acidentes durante a condução. O certo é que a sua sucessão vai gerando um retrato cru e desencantado de um quotidiano em que as trocas humanas parecem dominadas por uma sistemática desvalorização do outro.
A sociologia tende a criar padrões que, com maior ou menos justeza, nos permitem perceber um pouco dos modos colectivos de viver. Aqui, dir-se-ia antes de qualquer discurso sociológico, deparamos com o carácter irredutível do indivíduo, num universo em que tudo pode ser conflitual — em resumo, um exemplo notável de um exercício cognitivo radicalmente cinematográfico, discutindo, ponto por ponto, a "neutralidade" técnica das imagens e, desse modo, a coerência imaginária da vida pública.