HAPPY END |
O prodigioso filme de Michael Haneke ficou fora do palmarés de Cannes: vale a pena reflectir sobre tal ausência para além das questões de "gosto" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 Maio), com o título 'Silêncio sobre Haneke'.
A ausência nas listas de prémios de Cannes do filme de Michael Haneke, Happy End, é um sintoma sobre o qual vale a pena reflectir. Tanto mais que tal ausência foi acompanhada pelo escasso entusiasmo da maior parte da crítica internacional. Não é fácil falar do assunto, quanto mais não seja porque a histeria “social” reinante tenderá a proclamar que o crítico que “gosta” apenas quer impor a sua visão aos que “não gostam”...
Seja como for, vale a pena lembrar que diversos filmes reflectiram as dores de uma Europa ferida pelo terrorismo. Sem esquecer que as notícias nos fazem saber também que a relação mórbida com a violência (no limite: a passagem ao acto) constitui um elemento poderoso na vida imaginária de alguns jovens. O assunto é delicado, aconselhando-nos a evitar qualquer tipificação imediata ou generalização moralista — em boa verdade, é um assunto em relação ao qual muitos de nós se sentirão hesitantes e perplexos, incapazes de articular um discurso seguro (eu, pelo menos, sinto-me assim).
O que me move nestas breves linhas é apenas o facto de esse ser, justamente, um dos temas fulcrais do filme de Haneke. A personagem da filha de 12 anos (interpretada pela admirável Fantine Harduin), para além da desarmante nitidez com que vive a sua pulsação suicida, é também protagonista de uma das mais generalizadas doenças sociais do nosso tempo. A saber: a redução do outro (familiar ou não) à condição de imagem. Numa cena que, a meu ver, entrará nos grandes momentos simbólicos da história do cinema, observamo-lo mesmo a harmonizar (?) o culto cego da imagem com a mais gélida indiferença pela morte. Não é preciso “gostar” de Haneke para pensar estas questões. Em todo o caso, reduzi-lo ao silêncio não será a mais brilhante solução jornalística e humana.