Baptista-Bastos e Belarmino Fragoso LISBOA, 1964 |
Importa lembrar a dimensão cinematográfica da obra de Baptista-Bastos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Maio), com o título 'A herança cinéfila de Baptista-Bastos'.
Ao ler, ouvir e ver os ecos mediáticos do falecimento de Baptista-Bastos (dia 10 de Maio, contava 83 anos), não pude deixar de reparar na sistemática omissão das componentes cinéfilas da sua trajectória criativa. Não é minha intenção fazer o balanço de todas as notícias que evocaram a sua obra (muitas me escaparam, por certo). Em todo o caso, confunde-me o facto de a sua fundamental contribuição para um clássico das novas vagas europeias — Belarmino (1964), de Fernando Lopes — estar, assim, ausente da memória jornalística.
A falha jornalística constitui um mero detalhe no apagamento da história do cinema português na memória colectiva: toda a gente sabe que, em 1966, Portugal conquistou o terceiro lugar no Mundial de Futebol; quase todos os cidadãos ignoram que, dois anos antes, Fernando Lopes assinava um dos títulos mais emblemáticos da fascinante revolução de linguagens que o cinema europeu estava a viver.
Belarmino é o retrato de Belarmino Fragoso, pugilista de glória efémera que o filme regista e encena como símbolo de uma portugalidade em crise. O nome de Baptista-Bastos surge inscrito no genérico (“colaboração técnica e artística”), a par de Manuel Ruas e Fernando Matos Silva. Mais concretamente: é a voz de Baptista-Bastos que escutamos, em off, fazendo perguntas a Belarmino, numa aliança estética e ética do olhar cinematográfico com a demanda jornalística.
Ainda mais esquecido parece estar o facto de Baptista-Bastos nos deixar um importante legado de escrita sobre cinema, com destaque para o ensaio O Cinema na Polémica do Tempo, publicado em 1959. Ele foi, de facto, alguém que sempre resistiu a qualquer padrão de “especialista” literário, olhando o mundo à sua volta como uma contínua colisão de linguagens em que os filmes são objectos essenciais. Além do mais, em Belarmino, o cineasta e o escritor encontravam-se numa comovente cumplicidade: a de viverem a cidade de Lisboa como o cenário romanesco de um desejo utópico para sempre instalado nas margens do impossível.