quarta-feira, maio 10, 2017

Baptista-Bastos (1934 - 2017)

>>> A nossa sociedade está a desmoronar-se e ninguém lhe acode. Os laços sociais estão a desaparecer, substituídos por um sistema de valores em que impera a vacuidade, o poder da «competitividade» como força motriz - e não é. Há tempo para tudo, diz o Eclesiastes. Mas a verdade é que os «tempos» foram pulverizados pela urgência de não se sabe bem o quê. A frase mais comum que ouvimos é: «Não tenho tempo para»; para quê? A correria mina as relações de civismo e de civilidade; está a roer os alicerces da família; a família deixou de ser o núcleo das nossas próprias defesas; e vamos perdendo o rasto dos nossos filhos, dos nossos amigos, dos nossos camaradas, dos nossos companheiros. A azáfama nos locais de trabalho é o sinal das nossas fragilidades e dos nossos medos. Estamos com medo de tudo, inclusive de confiar em quem, ainda não há muito, seríamos capazes de confidenciar o impensável.

BAPTISTA-BASTOS
in Jornal de Negócios
20 Nov. 2009

A arte de escutar era uma das mais difíceis posturas humanas, por certo humanista, que podíamos aprender com Baptista-Bastos. Entenda-se: a capacidade de suspender o seu discurso para que o interlocutor pudesse explicitar o seu — mesmo que, no instante seguinte, ele avançasse com uma visão visceralmente diferente.
Talvez por isso, nos seus livros, da crónica ao romance, passando por todos os géneros híbridos — para ele, o jornalismo era, afinal, uma forma superior de romanesco —, encontramos a capacidade de sentir o aqui e agora, nunca anulando as réstias de utopia que o real ainda pode acolher. O Secreto Adeus (1963), Cão Velho entre Flores (1974), Elegia para um Caixão Vazio (1984), Um Homem Parado no Inverno (1991) ou O Cavalo a Tinta da China (1995) são exemplos modelares desse trabalho de incessante observação e denodada narrativa. Nesta perspectiva, podemos dizer que Baptista-Bastos foi um admirável observador do tempo e dos poderes cruéis do seu carácter inexorável, relançando incessantemente o "quem sou eu?" que nos afasta e aproxima do nosso semelhante.
Sem dúvida por isso, ele foi também um genuíno cinéfilo, aliás autor de um livro essencial na nossa tão reduzida "literatura-sobre-cinema": o bem chamado O Cinema na Polémica do Tempo (1959). É a sua voz, convém não esquecer, que escutamos a interrogar Belarmino Fragoso nesse filme emblemático das novas vagas europeias que é Belarmino (1964), de Fernando Lopes — era também um filme em que aprendíamos como a arte de documentar o real dos outros envolve sempre uma introspecção silenciosa, mais ou menos clínica, por certo magoada.
Armando Baptista-Bastos nasceu em Lisboa, a 27 de Fevereiro de 1934; faleceu em Lisboa, a 10 de Maio, depois de um internamento de mais de um mês no Hospital de Santa Maria — contava 83 anos.

>>> Um extracto de Belarmino, com o protagonista a responder às perguntas de Baptista-Bastos; e uma emissão do programa Ler +, Ler Melhor (2011), da RTP, com depoimento de Baptista-Bastos sobre Carlos de Oliveira.




>>> Obituário no Diário de Notícias.