terça-feira, abril 04, 2017

Novas edições:
Jesca Hoop, Memories are Now


Há nas histórias pessoais de cada artista um ou outro episódio que acaba, um dia, a fazer parte daquelas referências maiores e imediatas com as quais se conta, numa ou duas frases o seu quem é e de onde veio... E com a californiana Jesca Hoop, hoje com 41 anos e, até aqui uma discografia já considerável mas ainda relativamente desconhecida, essa história passará certamente pelo facto de, em tempos, ter trabalhado como ama dos filhos de Tom Waits e que tanto ele como a sua mulher, Kathleen Brennan, terão sido dos primeiros a reparar no seu talento e a ajudá-la em passos que lhe permitiram definir os primeiros trilhos de uma carreira. Os contactos abriram portas às canções, surgindo um primeiro álbum em 2007. Seguiram-se outros, um deles em regime de duetos com Sam Beam (também conhecido como Iron & Wine), cabendo a esse disco o início de um relacionamento com a Sub Pop que agora edita Memories Are Now, o álbum que está a conquistar atenções e a fazer de Jesca Hoop, mesmo já com uma obra editada, uma das grandes surpresas de 2017.

Num cativante contraste com o som mais cheio de discos seus como Kismet (2007), Hunting My Dreams (2009) ou The House That Jack Built (2012), mas não reduzindo as canções ao ascetismo de Undress (2014) ou da abordagem acústica na qual reinventou os temas do disco de estreia, o novo álbum apresenta um corpo fortíssimo de canções de poupada artilharia nos arranjos e pelas quais tanto passam ecos depurados de referências indie rock  e folk. Os que se deixaram encantar (como eu) pelo álbum Burn Your Fire for No Witness de Angel Olsen, têm aqui mais uma proposta talhada ao seu gosto.

Histórias vivenciais, algumas com tramas que falam de dor e perda, não são coisa rara. Jesca Hoop consegue não só definir uma cativante abordagem poética às palavras como, depois, as molda musicalmente em peças que tanto servem a placidez do dedilhar das cordas de uma guitarra acústica como surgem em paisagens mais angulosas, embora nunca abrasivas, feitas com o som da guitarra e o eco que fica depois, mais os silêncios que fazem sentir o espaço entre as notas tocadas e cantadas. Há um sentido de verdade primordial entre estas canções, o que evoca talvez outro dos passados profissionais quando, na juventude, Jesca Hoop ensinava métodos de sobrevivência em terreno selvagem.

E entre jogos de palavras que ativam memórias bem humoradas (como quando ouvimos dizer “computer says no” em Animal Kingdom Chaotic) e o fulgor que habita temas como Cut Connection, Unsaid ou o tema-título não faltam aqui portas de entrada num disco que instala, merecidamente, o nome de Jesca Hoop entre as grandes cantautoras da sua geração.