segunda-feira, março 06, 2017

Logan contra Shane

O mais interessante de Logan é, paradoxalmente, a desesperada tentativa de conferir dignidade cinéfila a um género — o blockbuster com super-heróis — que, muito por efeito das políticas de produção em série da Marvel, se transformou numa fábrica de estereótipos. Assim, numa cena "reparem-bem-que-isto-tem-a-ver-com-os-clássicos-do-western", James Mangold coloca Charles Xavier (Patrick Stewart) e Laura (Dafne Keen) a verem na televisão nada mais nada menos que o clássico Shane (1953), de George Stevens. É duvidoso que os espectadores mais jovens, formados no turbilhão de 'Homens de Ferro', 'Hulk' e seus derivados, reconheçam aquele clássico, muito menos que tenham a mais vaga percepção sobre o contexto em que foi gerado e o seu valor simbólico na história de Hollywood [trailer].
Em boa verdade, o que se procura já não é qualquer partilha em nome de qualquer sensibilidade cinéfila — apenas se convoca uma ostensiva caução para fazer passar a ideia de que a rotina da produção ainda consegue aplicar alguns ornamentos "antigos", logo "artísticos". Na prática, Logan tenta vender a mesma avalanche de ruídos e cenas (ditas) de acção através da convocação do imaginário clássico do western, como se a filiação temática e estética nascesse apenas do simplismo da citação. A intensificação dos efeitos para classificação "R" (a agressividade das lâminas de Logan/Wolverine, a proliferação de sangue, etc.) decorre mesmo da ilusão pueril de, por essa via, amplificar um suposto efeito de verdade.
Mangold não acrescenta muito ao sistema de linguagens que tem marcado quase todos os títulos mais recentes de super-heróis (Doutor Estranho é uma boa excepção), mas acaba por explicitar, porventura involuntariamente, a banalidade da sua perspectiva histórica — entenda-se: sobre o próprio cinema como história.