terça-feira, fevereiro 07, 2017

Scorsese, The Band & etc.

Grande concerto, notável filme: A Última Valsa, com Martin Scorsese a filmar a despedida de The Band, tem uma nova edição comemorativa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 Fevereiro), com o título 'Para ver com o som bem alto'.

Quando se estreou o filme A Última Valsa (1978), de Martin Scorsese, sobre o derradeiro concerto do grupo The Band, o cartão de abertura, conciso e desafiante, em austeras letras brancas sobre fundo negro, era capaz de provocar palmas imediatas — nele estava escrito apenas: “Este filme deve ser projectado com o som alto.”
Era o tempo em que o conceito de “filme-concerto” tinha um significado bem diferente e, sobretudo, mais apelativo. Na era pré-MTV, sem os infinitos canais da Internet que hoje utilizamos, o cinema podia ser a principal via de acesso global a um grande acontecimento da música rock — tal acontecera, aliás, poucos anos antes, com Woodstock (1970), o filme de Michael Wadleigh sobre os míticos concertos do Verão de 1969. Agora, podemos rever — ou, por certo, para muitos espectadores, ver pela primeira vez — A Última Valsa através de uma esplendorosa edição em Blu-ray.
[ ROCK AND ROLL GPS ]
Vale a pena, aliás, reconhecer o paradoxo em que passou a existir o Blu-ray: por um lado, e apesar das suas excepcionais qualidades, o formato não conquistou no mercado o lugar de evidência que muitos esperariam; por outro lado, a sua consolidação tem passado cada vez mais pelos clássicos em cópias restauradas.
Assim acontece neste caso, através de um edição comemorativa dos 40 anos do evento retratado — o concerto de despedida de The Band teve lugar no Winterland Ballroom, de São Francisco, a 25 de Novembro de 1976. A caixa, em formato de álbum (lembrando as clássicas dimensões dos discos de vinyl), inclui 4 CD com os sons integrais do concerto e vários ensaios, mais um livro de 74 páginas com preciosa informação escrita e magníficas ilustrações.
Os elementos de The Band — Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson, Richard Manuel e Robbie Robertson — emergem, assim, como polarizadores das virtudes clássicas do rock. E tanto mais quanto a sua despedida foi abençoada pela presença de uma impressionante galeria de notáveis, incluindo Bob Dylan, Eric Clapton, Joni Mitchell, Mavis Staples e Ringo Starr.
Filmando-os num palco revivalista, decorado com enormes candeeiros (do século XIX, dir-se-ia...), Scorsese celebra a energia das suas canções, observando-os como símbolos de um tempo em que a exposição ao público não obedecia à lógica das digressões actuais, preparadas como verdadeiras campanhas “eleitorais”. Cada concerto era vivido como um acontecimento total, um verdadeiro teste à verdade interior da música. Como diz um deles: “A estrada foi a nossa escola. Deu-nos um sentido de sobrevivência.”