Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa, está de regresso ao mercado através de uma magnífica edição em DVD — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 Janeiro), com o título 'O realismo radical de Pedro Costa'.
Todos sabemos que o mercado do DVD sofreu uma significativa retracção — o que, entenda-se, não significa que haja menos gente a ver cinema. Escusado será dizer que o acesso aos filmes por outras vias (incluindo as ilegais) tem contribuído para este estado de coisas. Em todo o caso, continuo a pensar que as visões catastrofistas passam ao lado de um importante vector. A saber: se é verdade que o DVD há muito deixou de ser uma banal “duplicação” dos títulos estreados meia dúzia de meses antes, não é menos verdade que a qualidade de muitas edições “alternativas” pode e deve ser devidamente sublinhada.
Pedro Costa |
Exemplo recente é o DVD do filme de Pedro Costa, Cavalo Dinheiro (ed. Midas). Desde logo pelos seus extras. Encontramos, assim, a curta-metragem O Nosso Homem, vencedora da competição nacional do Festival Curtas de Vila do Conde, em 2011, e ainda uma apresentação de Cavalo Dinheiro, por Thom Andersen (critico e cineasta americano), no Egyptian Theatre de Hollywood, em Dezembro de 2015. A edição inclui ainda um livrinho de 80 páginas, com vários textos ensaísticos (um deles do filósofo francês Jacques Rancière) e uma entrevista de Michael Guarnieri a Pedro Costa, publicada na revista novaiorquina Bomb, em 2015 — sem esquecer, na capa e contracapa, duas belas pinturas de Maria Capelo, a partir de personagens de Pedro Costa.
Todas estas matérias levam-nos a um reencontro fascinante com o realismo radical de Pedro Costa. E não apenas porque a presença do actor/personagem Ventura — que já participara, por exemplo, em Juventude em Marcha (2006) e no episódio que o cineasta realizou para o filme colectivo Centro Histórico (2012) — prolonga a nossa relação de espectadores com as vivências dos cabo-verdianos do bairro das Fontainhas. Também porque o realismo que aqui se pratica, sendo alheio as qualquer “espontaneidade” televisiva, envolve sempre a defesa do direito de cada personagem a não alienar a sua própria história num qualquer simbolismo paternalista e redentor.
No texto de Rancière, deparamos mesmo com uma pergunta que, à sua maneira, evocando dois autores clássicos de Hollywood, pressupõe também um programa de trabalho: “No nosso tempo, como no tempo de Jacques Tourneur ou de Douglas Sirk, o cinema não será o lugar privilegiado para interrogar a relação entre a verdadeira vida e as histórias de fantasmas saídas do passado ou de um outro mundo?” No cinema de Pedro Costa, a proximidade dos fantasmas nasce, não do apagamento do real, mas da sua contundência.