Barry Jenkins, em baixo, com os três intérpretes da personagem de Chiron; da esquerda para a direita: Ashton Sanders, Alex Hibbert e Trevante Rhodes [FOTO: Chris Chapman / Deadline] |
Para o realizador Barry Jenkins, Moonlight envolveu um desafio cinematográfico e existencial — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Fevereiro), com o título '“Moonlight” encena o drama de um jovem afro-americano'.
Com a estreia de Moonlight, escrito e dirigido por Barry Jenkins, chega às salas mais um dos principais candidatos aos próximos Oscars: está nomeado em oito categorias, incluindo melhor filme, melhor realizador e melhor argumento adaptado (da autoria do próprio Jenkins, a partir de uma peça de Tarell Alvin McCraney).
Tarell Alvin McCraney [New Dramatists] |
Numa entrevista incluída no dossier de produção de Moonlight, o argumentista/realizador faz mesmo questão em destacar um princípio de trabalho: “O filme não está configurado para desafiar, negar ou contrariar estereótipos”. Dito de outro modo: não se trata de apresentar Chiron como símbolo ou bandeira do que quer que seja, antes de encenar uma complexa trajectória de vida, dividida em três capítulos: infância, adolescência e idade adulta.
Na preparação do filme, um dos primeiros e fundamentais desafios envolveu a escolha dos três actores — sucessivamente: Alex Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes — que interpretam as várias fases da vida de Chiron. Jenkins reconhece que não sabia muito bem que estratégia adoptar: “Foi um pouco por tentativa e erro.” Recorda, em particular, a sugestão de trabalho que deu ao seu director de casting, Yesi Ramirez: “Se conseguirmos encontrar jovens com a mesma emoção nos olhos, não precisamos de estar tão dependentes da semelhança física.” No fundo, tratava-se de obter uma subtil condensação da passagem do tempo: “O público tem de ser capaz de olhar os olhos do adulto e ainda ver o menino.”
Na primeira pessoa
A paisagem social em que decorre Moonlight (um bairro dos arredores de Miami) está marcada por muitos factores de degradação, incluindo um sistema de circulação de drogas que passa pela espantosa personagem de Juan, uma figura de ressonâncias eminentemente trágicas (com a sua interpretação, Mahershala Ali, que conhecíamos da série House of Cards, já ganhou um prémio do sindicato dos actores, Screen Actors Guild). É nesse pano de fundo que emerge a delicada beleza da revelação da homossexualidade de Chiron, num contraponto que Jenkins nunca quis condicionado por qualquer propósito “metafórico” ou “redentor”.
Para o realizador, o tratamento de todos estes elementos impunha o respeito do espírito da peça original de Tarell Alvin McCraney: “Há histórias que têm de ser contadas na primeira pessoa. E como um homem heterossexual, eu sabia que havia certos elementos da identidade deste personagem dos quais eu não tinha uma perspectiva na primeira pessoa nem qualquer experiência. E não por causa das questões sociais que possam atravessar o filme. Não era isso — era antes uma dúvida sobre a minha capacidade para capturar plenamente a voz deste personagem.”
Daí, sublinha Jenkins, a necessidade de encontrar o tom justo para a recriação da peça: “Acabei por decidir que se eu, que me considero um aliado activo das causas LGBT, conseguisse no mínimo preservar a voz de Tarell, sendo ele abertamente gay (a sexualidade tem sido mesmo uma componente chave de muito do seu trabalho), se conseguisse fazer ouvir essa voz, então poderia assumir a autoria da obra.”