sábado, janeiro 07, 2017

Mário Soares — a herança das imagens

MÁRIO SOARES / ÁLVARO CUNHAL — RTP, 6 Nov. 1975
'Uma vida em imagens' [Diário de Notícias]
As muitas memórias de uma personalidade tão rica e complexa como Mário Soares (1924-2017) existem recheadas de imagens. Aliás, por vezes, a intensidade das memórias tende a confundir-se com os efeitos específicos das imagens — com serenidade e acutilância, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou isso mesmo na sua declaração a propósito do "falecimento do Presidente Mário Soares". Pertence-nos, por isso, a administração da herança dessas imagens. Dito de outro modo: importa resistir à facilidade com que determinadas imagens se transformam em clips infinitamente repetidos e, por fim, desligados de qualquer contexto ou significação — como soundbytes visuais, se é que podemos conceber tal paradoxo.
Reencontramos, assim, uma questão que está longe de estar resolvida na nossa cultura audiovisual, em particular no espaço televisivo. Trata-se de saber se conseguimos, e como conseguimos, lidar com a proliferação de factos e registos que a história da nossa democracia envolve, contrariando a sua redução a uma pequena colecção de clichés mais ou menos gratificantes. Aliás, como é óbvio, a questão alarga-se às memórias do Estado Novo e do salazarismo. Coleccionar "heróis" (ou "anti-heróis") é sempre fácil — o mais difícil será sempre lidar com as singularidades dos indivíduos e a sua inscrição nas convulsões colectivas.