segunda-feira, dezembro 05, 2016

A CGD na televisão & etc.

Muitos espaços e discursos televisivos funcionam a partir de uma lógica normativa de repetição, como se o mundo estivesse preso de significações anteriores a qualquer ocorrência — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (2 Dezembro), com o título 'Fenómenos de repetição'.

1. É, no mínimo, desconcertante o modo como muitas notícias sobre a situação na Caixa Geral de Depósitos são ilustradas através de imagens da fachada do seu edifício-sede. Não que esperássemos ver em tais notícias o Mosteiro da Batalha ou o Taj Mahal. O que surpreende é o facto de muitas formas de utilização dos recursos audiovisuais se esgotarem no mesmo dispositivo: um texto “radiofónico” sobreposto a imagens esvaziadas pela intensa repetição.

2. Repetição é, aliás, o regime noticioso dominante, sendo o futebol o tema sempre privilegiado (?), a ponto de vermos e ouvirmos dezenas de vezes os mesmos treinadores a aplicar os mesmos chavões com o mesmo ar cansado — estão cansados de quê?

3. Chegámos àquela época da temporada futebolística em que o pior dos três grandes só pode estar em “crise”, tornando-se objecto de infinitas análises — desta vez é o F. C. Porto, mas podia ser, como já foi, o Benfica ou o Sporting. Fica a ideia (?) de que, num mundo ideal, os três estariam sempre no primeiro lugar, em compulsiva igualdade pontual.

4. Em boa verdade, podemos ser levados a pensar que as altercações nos bastidores do estádio de Alvalade são mais importantes do que as escolhas de Donald Trump para o executivo que vai dirigir a partir de 20 de Janeiro de 2017 — “cuspo” e “fumo” serão códigos de armas nucleares?

5. De um momento para o outro, as convulsões políticas nos EUA quase desapareceram dos ecrãs de televisão. Na verdade, depois da eleição de Donald Trump, é agora que estão a acontecer muitas coisas que vão determinar o futuro próximo daquele país e, afinal, de todo o planeta. Neste caso, faltando o folclore das campanhas, celebrações, vencedores e vencidos, dir-se-ia que, televisivamente, o real se esvazia.