FOTO: Orlando Almeida / DN |
J. L.: Não é simples ser um narrador — cinematográfico, para mais — num país cujo espaço mediático (aí onde se decidem os valores culturais dominantes) se foi entregando, sem armas nem bagagens, ao império da formatação telenovelesca. Com o seu filme Cartas da Guerra, a partir de António Lobo Antunes, Ivo Ferreira não se limitou a redescobrir, com inusitado fulgor, o poder da palavra; ao mesmo tempo, o seu trabalho mostra que é possível encarar as memórias da Guerra Colonial, não como um pandemónio maniqueísta em que tudo se decide através da tristeza moral do "pró & contra", antes como uma imensa, fascinante e trágica paisagem humana em que nenhuma imagem, nenhum som, é indiferente. Raras vezes o cinema português conseguiu ser tão visceral e tão universal.
N. G.: Temos meio milénio de histórias africanas a correr no ADN da nossa identidade enquanto povo. Mas não duvidemos, por muitas outras que falte ainda contar, que estas acabam por nos estar demasiado próximas para que as não deixemos de revisitar já. E não é por acaso que muitas delas, por vezes com fulgor autobiográfico, habitam a nossa literatura, assim como a nossa música. O cinema, aos poucos, começa a juntar um corpo significativo de olhares que fazem das memórias dos focos de guerra o tutano das suas narrativas, imagens e personagens. Aqui na verdade juntam-se as palavras (escritas) a um olhar que delas parte para encontrar, não a vertigem da ação, mas a verdade interior que habita quem ali viveu aqueles dias.