a) - "Tenho idade suficiente para me recordar que, há poucas semanas, a recusa em aceitar os resultados de uma eleição eram uma séria ameaça aos fundamentos da nossa democracia — aparentemente, agora é uma virtude patriótica" — são palavras de Brian Morgenstern, proferidas num comentário na Fox News [video], a propósito dos protestos anti-Trump em algumas cidades dos EUA.
b) - São palavras que importa contextualizar de forma inevitavelmente paradoxal. Por um lado, a Fox News tem sido montra dos discursos mais redutores e maniqueístas sobre a sociedade americana (e, muito em particular, sobre a presidência de Barack Obama); por outro lado, não se pode ignorar o facto de, de todos os sectores dessa sociedade, nomeadamente de personalidades dos partidos republicano e democrata, terem surgido inquietações muito sérias sobre a deriva populista que Donald Trump encarna.
c) - O certo é que a intervenção de Morgenstern coloca o dedo na ferida daquilo que representa, afinal, uma outra forma de populismo, desta vez sancionada pelo maniqueísmo revanchista de alguns discursos enraizados no novelo ideológico da(s) esquerda(s). Subitamente, a transferência da "questão Trump" para o alarido das ruas — sancionada pela promoção automática do conflito como axioma de muitos discursos televisivos — tem como efeito primeiro, perverso e irresponsável, a desvalorização do jogo democrático.