sábado, novembro 26, 2016

David Hamilton (1933 - 2016)

FOTO: Wikipedia
As suas imagens ilustram uma certa noção de erotismo, típica da década de 1970: o fotógrafo inglês David Hamilton foi encontrado inconsciente no seu apartamento de Paris, no dia 25, vindo a falecer pouco depois — contava 83 anos.
De acordo com a agência Reuters, fonte policial terá admitido tratar-se de um suicídio (que, em qualquer caso, não foi oficialmente confirmado). A morte de Hamilton ocorreu pouco tempo depois de Flavie Flament (n. 1974), apresentadora da rádio francesa que para ele pousou na adolescência, o ter acusado de a violar aos 13 anos, dizendo saber de outras mulheres que passaram por experiências semelhantes. Hamilton negou a acusação, tendo ameaçado processá-la por difamação — a sua declaração ocorreu no dia 22, três dias antes da morte.
Através das suas fotografias de raparigas nuas, em poses quase sempre registadas com filtros difusores, Hamilton foi um dos símbolos de uma certa revolução iconográfica que marcou a década de 70, em particular nas revistas dedicadas a audiências masculinas ou em algum cinema "libertador" da imagem da mulher — Emmanuelle, por exemplo, surgiu em 1974, impondo Sylvia Kristel como símbolo desse fenómeno indissociavelmente cultural e comercial. Ele próprio exprimiu-se através do cinema, sendo Bilitis (1977), centrado na iniciação sexual de uma jovem durante as férias de Verão, a sua realização mais conhecida; alguns dos seus filmes, incluindo Bilitis e Tendre Cousines (1980), deram origem à edição de álbuns fotográficos homónimos. 
Formatada e repetitiva, a "estética" de Hamilton pode (e deve) ser contextualizada na época da sua afirmação, um tempo marcado de forma plural e contraditória pela herança das ilusões libertárias da década de 60 — ele foi, afinal, arauto de um "feminismo" de grande maniqueísmo ideológico, em todo o caso muito mediatizado e sustentado por grandes fenómenos comerciais (contemporâneo de notáveis obras de cinema, como O Último Tango em Paris, lançado em 1972, capazes de discutir e superar os estereótipos sexuais do seu próprio presente).
A abordagem do trabalho fotográfico de Hamilton a pretexto de considerações posteriores (até aos nossos dias) sobre as redes e práticas de pedofilia corre o risco de escamotear a sua inserção, profissional e simbólica, numa paisagem de reconversão dos próprios conceitos de erotismo — em boa verdade, as imagens diáfanas, de um lirismo estereotipado, criadas por Hamilton tornaram-se prática corrente de muitas formas de publicidade, em particular de produtos de cosmética.

>>> Obituário: Reuters + The Guardian.