segunda-feira, novembro 14, 2016

Com ou sem Trump — que televisão?

FOTO: sify.com
Que fazer com a política? Eis uma pergunta que importa recolocar depois do resultado das eleições presidenciais americanas mas que, em boa verdade, vem de um tempo anterior. Será que a televisão, com ou sem Donald Trump, ainda arrisca pensar o seu lugar político? — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (11 Novembro).

O saldo televisivo das eleições presidenciais nos EUA é, no mínimo, perturbante. Cada caso é um caso, sem dúvida, e escusado será lembrar que qualquer generalização corre o risco de mascarar a complexidade das questões — jornalísticas, comunicacionais, simbólicas — que estão em causa. Ainda assim, não será abusivo considerar que aquilo a que assistimos, em particular nas semanas finais da campanha, ilustra uma perversa deslocação do político (entenda-se: do sistema de valores que enquadram o combate político) para o domínio da chicana de usos e costumes.
Podemos sempre fugir ao assunto, apontando o dedo a este ou àquele candidato. Podemos até encontrar um bode expiatório capaz de apaziguar os temores da nossa alma, mas estaremos apenas a reforçar o mais perverso equívoco da nossa conjuntura mediática. A saber: tentar discutir a difusão e o impacto televisivo dos discursos de que se faz a política, evitando discutir os próprios dispositivos televisivos.
No contexto português, o problema é tanto mais complexo (e, insisto, perturbante) quanto temos vindo a assistir a uma assustadora deriva populista do espaço televisivo. O fenómeno é mesmo frequentemente sustentado pela acção, nem que seja por demissão intelectual, de jornalistas de competência e inteligência muito para além da menoridade dessa deriva.
Importa, apesar disso (corrijo: por isso mesmo) contrariar qualquer descrição fulanizada da situação em que, televisões e espectadores, nos encontramos. Importa, mais do que nunca, reflectir sobre as articulações contemporâneas de acção política e abordagem televisiva. Se não o fizermos, corremos o risco de passar a viver num país em que até mesmo a escolha do Presidente da mais poderosa nação do mundo é um evento secundário face à análise da localização exacta das casas de banho do estádio de Alvalade.