segunda-feira, outubro 17, 2016

"Westworld" — de 1973 a 2016


Numa sedutora transfiguração, Westworld, filme de 1973, está de volta como série de televisão com chancela da HBO — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (14 Outubro), com o título 'Aventuras narrativas'.

As relações entre algumas propostas de ficção televisiva e o cinema são cada vez mais evidentes, diversificadas e, em alguns casos, fascinantes. Por isso mesmo, vale a pena referir, desde já, o arranque da série Westworld (TV Séries), inspirada no filme homónimo, escrito e realizado por Michael Crichton em 1973.
No essencial, a série da HBO, criada por Lisa Joy e Jonathan Nolan (irmão do realizador Christopher Nolan), conserva o dispositivo central do filme de Crichton. A saber: existe um parque temático que reproduz a vida quotidiana de uma cidade do velho Oeste, sendo habitado por “anfitriões” que, na verdade, são robots; os humanos, designados como “recém-chegados”, visitam o parque, desfrutando de um universo que faz lembrar os velhos “filmes de cowboys”, podendo até travar duelos com os robots sem que a sua existência seja ameaçada...
A sugestão é imediata: algo está a funcionar para além do conceito fundador do parque (da responsabilidade de um velho cientista interpretado por Anthony Hopkins), como se os robots, excedendo as expectativas do seu criador, estivessem a organizar-se numa revolta mais ou menos inquietante. Dito de outro modo: reencontramos o tema clássico da inteligência artificial, com as máquinas a desafiar os poderes dos humanos.
Um dos aspectos mais curiosos da nova versão de Westworld é a apresentação do seu drama nuclear como uma espécie de perverso jogo de vídeo. Como é dito e redito pelos responsáveis do parque temático, os robots estão programados para protagonizar narrativas absolutamente controladas, inclusive nas pequenas derivações introduzidas pela presença dos humanos. Acontece que uma narrativa se desvia da sua própria lógica quando alguém (ou alguma “coisa”) formula a hipótese de novos arranjos e relações. Em termos simbólicos, Westworld é também uma reflexão sobre o poder de narrar — o futuro é já hoje.