SULLY (2016) |
As imagens do 11 de Setembro assombram muitos filmes e os mais brilhantes cineastas resistem a banalizá-las — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Setembro), com o título 'Memórias de um avião sobre Nova Iorque'.
Já todos vimos aquelas breves montagens de auto-promoção que existem em muitos canais televisivos de todo o mundo. Com maior ou menor talento de montagem, nelas confluem imagens dos mais diversos eventos que, directa ou indirectamente, associamos a acontecimentos que já foram notícia. Por vezes, nos canais desportivos, tal prática tem dado origem a peças breves e brilhantes, capazes de celebrar a beleza abstracta dos movimentos do desporto, do futebol à ginástica.
As coisa mudam de figura — em boa verdade, são as imagens que mudam — quando se convocam referências, não a um jogo de futebol eventualmente identificável, mas a eventos muito concretos cuja inscrição na história da humanidade está muito para além do mero impacto visual. Como espectador, há um exemplo que sempre me choca: a integração de dois ou três segundos das Torres Gémeas de Nova Iorque a serem destruídas no dia 11 de Setembro de 2001. Porque falo em choque? Porque não posso deixar de relançar a pergunta: até que ponto a criação de um qualquer clímax visual, pueril e efémero, se tornou um valor (televisivo) mais forte do que a preocupação de lidar com a infinita complexidade de cada acontecimento?
Quinze anos depois, escusado será dizer que as memórias do 11 de Setembro continuam a ser uma pedra de toque do modo como são geridas, em particular na paisagem audiovisual, as nossas memórias. As imagens da queda do World Trade Centre não são apenas matéria de qualquer banco de imagens, uma vez que pertencem, de forma dramática e dolorosa, ao imaginário colectivo.
Muito para além dos automatismos e da “velocidade” televisiva, têm sido alguns cineastas a dar mostras de uma exigência, com tanto de estético como de ético, face à perturbação inerente às imagens do 11 de Setembro. Vale a pena recordar, por exemplo, os primeiros sinais dessa perturbação em A Última Hora (2002), de Spike Lee, ou a sua inscrição no interior de uma história de profundo intimismo, como acontecia em Extremamente Alto, Incrivelmente Perto (2011), de Stephen Daldry, inspirado no romance homónimo de Jonathan Safran Foer.
O exemplo do novo filme de Clint Eastwood, Sully (estreado há dias entre nós como Milagre no Rio Hudson), é tanto mais admirável quanto parte de um facto verídico — uma “aterragem” de emergência nas águas do Hudson, em 2009 — que tem no seu centro a mais perversa das “coincidências”. A saber: um avião a voar, a baixíssima altitude, sobre Nova Iorque.
Não por acaso, numa sequência que, por si só, define o génio de um olhar, Eastwood encena o misto de perplexidade e medo com que algumas personagens observam o dramático voo rasante do capitão Sully (Tom Hanks). Não se trata apenas de valorizar o efeito realista que as imagens podem gerar. Estamos também perante uma forma de olhar e pensar que não reduz as imagens a instrumento “publicitário”, sabendo respeitar a sua energia pulsional.