Assinalando os seus 40 anos, Taxi Driver está de regresso ao mercado português — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 de Setembro), com o título 'Quando Rocky Balboa ganhou a Travis Bickle'.
Mesmo simpatizando com Sylvester Stallone e a sua personagem do pugilista Rocky, os cinéfilos não esquecem as insólitas opções dos Oscars referentes à produção de 1976. Assim, não foi Taxi Driver que ganhou na categoria de melhor filme, mas sim... Rocky! A saga mitológica de Rocky Balboa sobrepôs-se à tragédia do motorista Travis Bickle, com todos os candidatos de Taxi Driver a serem derrotados: Robert De Niro, nomeado para melhor actor, foi superado por Peter Finch, em Escândalo na TV, de Sidney Lumet (Oscar atribuído a título póstumo); nas actrizes secundárias, onde surgia Jodie Foster, a vencedora foi Beatrice Straight, também em Escândalo na TV; enfim, na música, Bernard Herrmann tinha duas nomeações — por Taxi Driver e Obsessão, de Brian De Palma —, mas o Oscar ficou com Jerry Goldsmith, compositor de O Génio do Mal, de Richard Donner.
Perguntará o leitor: então, e o próprio Scorsese, não ganhou nada?... Assim é: não só não ganhou como nem sequer estava nomeado (esperou ainda mais quatro anos pela sua primeira nomeação para melhor realizador, com Touro Enraivecido). Há outra maneira de dizer isto: o cinema americano atravessava um período de dramáticas transformações, com todos os seus padrões industriais e comerciais a serem questionados.
Nesta perspectiva, não deixa de ser curioso lembrar que 1976 é um ano “entalado” entre dois momentos decisivos na reconversão da produção e, em particular, do seu marketing: em 1975, assistira-se ao mega-sucesso de Tubarão, de Steven Spielberg, inaugurando a idade dos modernos “blockbusters”; em 1977, iria surgir A Guerra das Estrelas, de George Lucas, consagrando um estilo de aventura que, em boa verdade, com resultados melhores ou piores, tem prevalecido até ao presente.
Nas salas, no top dos grandes sucessos do ano (liderado por Rocky), surgiam dois “remakes”, apostando na recuperação de referências clássicas: Nasce uma Estrela, como Barbra Streisand, e King Kong, com a estreante Jessica Lange. Ao mesmo tempo, as memórias ainda muito próximas do caso Watergate (que ditara o fim da presidência de Richard Nixon) eram tema de Os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula, com Dustin Hoffman e Robert Redford.
Era um tempo contraditório e fascinante em que, por exemplo, um dos génios do classicismo de Hollywood, Elia Kazan, encerrava a sua filmografia com O Grande Magnate, adaptado de F. Scott Fitzgerald — e com um actor principal chamado... Robert De Niro! Aliás, não era o único: Alfred Hitchcock dirigia o brilhante e muito esquecido Intriga em Família que ficaria também como o seu título final (em Itália, Luchino Visconti concluía também a sua actividade com O Intruso).
Assistia-se ao fim de uma era, com todos os símbolos lendários de Hollywood a viver os últimos capítulos das respectivas carreiras: foi também em 1976, por exemplo, que John Wayne rodou o seu derradeiro filme, O Atirador, um “western” amargo e nostálgico realizado por Don Siegel. Na prática, o reconhecimento de alguns dos mais ousados criadores da época começou em paragens europeias. Assim, Taxi Driver veio a Cannes e arrebatou a Palma de Ouro do festival — ironicamente ou não, o presidente do júri era um americano: o dramaturgo Tennessee Williams.