segunda-feira, setembro 19, 2016

A China de Jia Zhang-ke (1/2)

Com a estreia de Se as Montanhas se Afastam, reencontramos o olhar rigoroso de Jia Zhang-ke sobre o seu país — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Setembro), com o título 'Descobrindo a China através do melodrama'.



* Nasceu em 1970, em Fenyang, na província de Shan Shi.
* Estudou na Academia de Cinema de Pequim.
* Plataforma (2000) foi a sua primeira longa-metragem oficial.

* Integra a chamada “6ª Geração” (a que também pertencem Lou Ye ou Zhang Yuan), marcada pela herança da Revolução Cultural maoísta e especialmente empenhada em dar conta de problemas sociais contemporâneos. Em 2003, foi um dos fundadores da produtora Xstream Pictures, com escritórios em Pequim e Hong Kong. Still Life – Natureza Morta valeu-lhe o seu mais importante prémio internacional: o Leão de Ouro da edição de 2006 do Festival de Veneza. Em 2013, o filme China – Um Toque de Pecado recebeu o prémio de argumento em Cannes.

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Bem sabemos que, da cena política ao desenvolvimento científico, a China se tornou um parceiro fundamental. Daí a pergunta básica: afinal, que sabemos dos chineses, nossos contemporâneos?
No campo do cinema, a pergunta pode ser tanto mais sugestiva quanto vários estudos e estatísticas publicados em tempos recentes indicam que, para além do seu poder na área da produção, alicerçado numa indústria de grande sofisticação tecnológica, a China está à beira de se tornar o maior mercado cinematográfico do mundo. Em tal contexto, a figura do cineasta Jia Zhang-ke emerge como alguém especialmente empenhado em observar, num misto de proximidade afectiva e exigência crítica, a história da China do último meio século — o seu filme mais recente, Se as Montanhas se Afastam [Cannes 2015], é mais um esclarecedor exemplo da versatilidade do seu talento e também de uma arrojada visão do mundo.
Em boa verdade, entramos na teia do filme como quem redescobre as vibrações clássicas de um melodrama. Em cena está o vai-vém emocional de Shen Tao, uma jovem da cidade de Fenyang, interpretada por essa excelente actriz que é Zaho Tao, presença regular nos filmes de Jia Zhang-ke (com quem casou em 2012). Cortejada por dois homens com diferentes estatutos sociais, um proprietário de uma estação de serviço (Zhang Yi) e um trabalhador de uma mina de carvão (Jing Dong Liang), vê-se compelida a um conjunto de decisões que vão determinar todo o seu futuro e, em particular, o crescimento do seu filho.
A aproximação de todas estas histórias cruzadas é feita através de um método a que apetece chamar romanesco, com o filme divido em três capítulos, identificados por outras tantas datas: 1999, 2014 e 2025. Quer isto dizer que Jia Zhang-ke vai respeitando os parâmetros de um realismo muito estrito, sem que isso o impeça de projectar o seu filme numa data “impossível”, dez anos posterior à sua própria fabricação.