A CONQUISTA DO OESTE (1963) |
Os formatos "largos" dos anos 50/60 contam-nos uma história empolgante que os valores televisivos nem sempre reconhecem — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Agosto), com o título 'Memórias atribuladas da cinefilia'.
O público contemporâneo de cinema tem sido (des)educado para uma grandiosidade postiça. Mesmo não esquecendo as excepções, há muitos filmes fabricados para as novas salas IMAX que não sabem o que fazer com o gigantismo do ecrã, confundindo espectáculo com agitação física da câmara, utilizada como se fosse um telemóvel histérico (além do mais, não nos dando tempo para observar o que quer que seja).
Há dias, deparei com um interessante paradoxo: num canal televisivo do cabo (AMC), encontrei A Conquista do Oeste (1962), símbolo modelar da época áurea das “superproduções”, que podemos situar entre A Ponte do Rio Kwai (1957), de David Lean, e 2001: Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick.
O paradoxo provém da conjuntura industrial e comercial em que tais filmes nasceram. O seu principal objectivo era oferecer ao espectador uma dimensão (grandiosa) que contrariasse a baixa de frequência das salas escuras motivada pela generalização caseira do aparelho de televisão. O CinemaScope e o 70mm são formatos emblemáticos desse tempo, tal como o raríssimo Cinerama — A Conquista do Oeste é o mais lendário exemplo de tal formato, agora revisto na “pequenez” do ecrã televisivo.
O Cinerama tinha uma imagem resultante de uma filmagem com três câmaras “paralelas” de 35mm, sendo concebido para ser projectado por três projectores num ecrã imenso. As exigências técnicas e os custos envolvidos fizeram com que, na maior parte dos mercados (incluindo Portugal), o filme fosse distribuído em cópias de 70mm que resultavam da “colagem” das três imagens parcelares — na prática, viam-se duas linhas verticais a dividir o ecrã em três zonas mais ou menos quadradas.
A cópia agora mostrada em televisão é tanto mais fascinante quanto preserva a largura da imagem original, além de corrigir a “colagem” das três imagens parcelares. Infelizmente, o site do canal que exibe o filme está longe de valorizar tão notável produto. Há um texto banalíssimo que nem sequer sublinha o facto de se tratar de uma realização tripartida (John Ford, Henry Hathaway, George Marshall), limitando-se a fornecer links dos actores principais (Carroll Baker, Lee J. Cobb, Henry Fonda, etc.) para o IMDb. Mesmo a referência aos Óscares ganhos pelo filme tem imprecisões na caracterização das respectivas categorias: escreve-se “melhor argumento, história e guião”, traduzindo apenas uma parte do que está no IMDb (o essencial era “melhor argumento original”), e refere-se “melhor edição”, aplicando a gíria televisiva, ignorando-se que o termo cinematográfico é “montagem”. Há outra maneira de dizer isto: o lugar-comum televisivo desconhece o prazer cinéfilo.