quinta-feira, agosto 04, 2016

Jazz na Gulbenkian

O jazz está de volta às instalações da Fundação Gulbenkian — até ao dia 14, o Jazz em Agosto propõe um sedutor programa de projectos e experimentações em que as heranças clássicas apelam ao risco das vanguardas. O concerto de abertura (hoje, 21h30, no Anfiteatro ao Ar Livre) será, por certo, um excelente exemplo de tais cruzamentos: o guitarrista americano Marc Ribot surge a integrar The Young Philadelphians, ensemble apostado em reinventar o espírito de Ornette Coleman, integrando referências emblemáticas da soul de Filadélfia — ei-los em Itália, num registo de 2015.


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O Jazz em Agosto continua a propor derivações cinematográficas, quer através da projecção de documentários, quer integrando materiais fílmicos em alguns concertos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Agosto), com o título 'Documentários e concertos cúmplices em Lisboa'.

Cumprindo a tradição, a 33ª edição do Jazz em Agosto (Fundação Gulbenkian, dias 4 a 14) volta a ter um sector específico dedicado ao cinema. É o resultado de uma estratégia de diversificação que Rui Neves, director artístico do evento, equaciona a partir das novas formas de produção de documentários e do papel das televisões: “Assiste-se mesmo a uma proliferação, até porque se tornaram comuns métodos de crowdfunding e um interesse público redobrado. O papel das televisões não deixa de ser importante porque os encomendam, assumindo os seus custos. Considero que em Portugal foi importante o documentário A Tensão Jazz, apresentado na RTP2 em 2011, sobre o jazz feito no nosso país, realizado por Paulo Seabra com o guião histórico da minha autoria.”
Três filmes da RogueArt, editora convidada desta edição, serão projectados na Sala Polivalente (sucessivamente nos dias 10, 11 e 12, sempre às 18h30): Off the Road e Chicago Improvisations, ambos de Laurence Petit-Jouvet, e Electric Ascension Live at Guelph Jazz Festival 2012, de John Rogers.
Os dois documentários de Laurence Petit-Jouvet celebram o contrabaixista alemão Peter Kowald (1944-2002): o primeiro, num espírito que evoca o livro On the Road, de Jack Kerouac, segue a sua digressão norte-americana de 2000, pontuada por encontros com outros músicos; o segundo regista uma dupla actuação no Empty Bottle Festival of Jazz & Umprovised Music, também em 2000. Quanto ao filme de John Rogers, o seu foco está na celebração de John Coltrane, através de um concerto realizado num festival canadiano pelo projecto Electric Ascension, integrando o Rova Saxophone Quartet.
São documentários que estabelecem relações com a memória do próprio evento. Rui Neves lembra que “a razão da apresentação destes filmes fundamenta-se na presença de Peter Kowald no Jazz em Agosto 2002, com Fred Anderson e Hamid Drake, e de Electric Ascension na edição de 2006, celebrando Coltrane, nascido em 1926, fazendo sentido voltar a celebrá-lo este ano quando se completam 90 anos do seu nascimento.”
Há ainda dois concertos que integrarão materiais cinematográficos. Assim, o guitarrista Marc Ribot terá uma performance a solo (Sala Polivalente, dia 5, 18h30), com projecção de Shadows Choose Their Horrors, filme experimental assinado por Jennifer Reeves, cineasta novaiorquina nascida no Sri Lanka. Por sua vez, o colectivo Petite Mourtarde (Anfiteatro ao Ar Livre, dia 9, 21h30) convoca imagens de filmes de René Clair, Marcel Duchamp e Man Ray.
Os filmes, como sempre, procuram desenhar linhas de cumplicidade com os concertos. Mas, como sublinha Rui Neves, “não se trata de todo de fazer um ponto da situação global do documentário sobre jazz”. Assistimos, afinal, a um profunda mudança de contexto: “O que felizmente acontece nos últimos anos é publicarem-se mais documentários devidos aos desenvolvimentos observados na nova era digital em matéria de novas máquinas, novos processos de pós-produção e, naturalmente de novos agentes, conquistando novos públicos.”