terça-feira, julho 05, 2016

Pink Floyd a 33 rpm:
'More' (1969)


O passo a seguir a A Saucerful of Secrets, e que na verdade correspondeu ao primeiro álbum dos Pink Floyd integralmente criado sem a participação de Syd Barrett, não foi um álbum de estúdio “convencional”. Antigo colaborador de Jean-Luc Godard, o realizador Barbet Schroeder tinha acabado de rodar, em Ibiza, e como sua primeira obra, um filme que acompanhava a viagem de descoberta e, depois, desnorte, de um jovem alemão que se afasta do seu espaço de vida habitual para tentar vencer inibições pessoais e acaba naquela ilha do Mediterrâneo, com uma junkie e, como ela, rendido à heroína. Com uma cópia do filme na bagagem, Barbet Schroeder, que tinha ficado arrebatado pelos dois primeiros álbuns dos Pink Floyd, rumou a Londres onde mostrou o filme aos músicos e os desafiou a compor a banda sonora.

Disseram que sim. Mas pela sua frente, e segundo os desejos do realizador, não tinham a criação de uma partitura convencional para servir de moldura ou cenário às imagens mas, antes, um conjunto de peças cuja presença no filme tivesse um sentido mais evidente, mais material. Diegético, portanto. Com Roger Waters como a mais ativa força criativa nesse episódio, cedendo a David Gilmour todo o protagonismo vocal mas destacando, mais do que nunca até então o papel das teclas de Richard Wright, a música de More não só se afirmou como uma das peças mais valiosas do filme como acabaria por gerar um álbum que não só traduziu o momento de busca de novos horizontes que o grupo vivia, agora que estava definitivamente arrumada uma primeira etapa da sua carreira.

Fazer música para imagens não era propriamente novo para os Pink Floyd que, ainda antes de entrarem em estúdio para gravar o seu primeiro single, já atuavam sob projeções. E nesses primeiros tempos de vida algumas gravações suas tinham sido já cedidas para cinema. Mas More era um momento diferente, abrindo a porta não apenas à procura de novos desafios para a música da banda como, através da ideia da narrativa, personagens e imagens do filme, lhes dava um “conceito” sobre o qual a música se deveria ajustar como parte de um todo comum. More é um disco que guarda alguns momentos maiores desta etapa na vida dos Pink Floyd – nomeadamente o belíssimo episódio de placidez acústica de Crying Song – e que coloca em cena novas possibilidades. Do inesperado surto de intensidade elétrica e musculada de The Nile Song ao flirt jazzy que emerge em Up The Kyber há por aqui todo um conjunto de momentos em que sentimos o desejo de experimentar e procurar novas rotas possíveis. Há contudo, e ao longo de todo o alinhamento, um ajuste perfeito da música à sua função (ou seja, servir sequências concretas de um filme, a sua narrativa e personagens) e, acima de tudo, a expressão de uma capacidade em transportar para a música não só todo um quadro de temas e ideias como também um efeito de retrato das cores, do calor, das brisas, da ilha que serve de cenário ao filme (e das assombrações mais assombradas que luminosas e estivais que ali vemos a acontecer perante os nossos olhos).

Editado em junho de 1969, More – para cuja capa não foi usado senão um fotograma do filme – obteve melhores e mais rápidos resultados nas vendas do que o álbum anterior. E ajudou a vencer o clima de incerteza que o sucessivo insucesso dos singles editados nos últimos tempos fazia levantar. Os Pink Floyd, estava visto, eram uma banda de álbuns.