domingo, julho 03, 2016

Michael Cimino (1939 - 2016)

Consagrado pela odisseia nacional que encenou em O Caçador (1978), demonizado por causa de As Portas do Céu (1980), foi uma figura central da moderna renovação de Hollywood: Michael Cimino faleceu no dia 2 de Julho — contava 77 anos.
A história de Cimino pode condensar-se em dois flashes separados por dois anos: com O Caçador, uma revisão crítica e trágica da guerra do Vietname (um ano antes de Apocalypse Now), arrebata cinco Oscars referentes a 1978, incluindo melhor filme e melhor realizador; com As Portas do Céu, desfrutando da liberdade concedida pela United Artists, aposta na concretização de um épico, um "western-para-acabar-com-os-westerns", entrando numa vertigem gastadora que iria conduzir o próprio estúdio à falência, transformando Cimino numa espécie de pária do próprio sistema de Hollywood.


Ironicamente, a sua agilidade de escrita parecia oferecer-lhe um lugar seguro no interior desse sistema, ou melhor, na "revolução industrial" que se anunciava através de Francis Ford Coppola, Peter Bogdanovich, Martin Scorsese e outros nomes da mesma geração. Estreou-se mesmo com a bênção de Clint Eastwood, dirigindo-o em Thunderbolt and Lightfoot/A Última Golpada (1974), uma curiosa variação paródica sobre uma matriz mais ou menos policial — antes tinha escrito Magnum Force (1973), a sequela em que Eastwood retomava a sua personagem de Dirty Harry (1971).
Depois de As Portas do Céu, Cimino assinou o thriller O Ano do Dragão (1985), com Mickey Rourke, procurando fazer valer um classicismo paradoxal, enraizado no mais puro niilismo moral. Realizou ainda O Siciliano (1987), sobre Salvatores Giuliano, A Noite do Desespero (1990), remake de um drama de 1955 com Humphrey Bogart, e Espírito do Sol (1996), tentativa angustiada de reencontrar os restos da mitologia do Oeste. A partir de certa altura, vivendo em França (onde recebeu, em 2001, uma medalha de Cavaleiro das Artes e das Letras), tornou-se mesmo uma personagem exterior a Hollywood — inadvertidamente, o seu desejo de liberdade fez também com que os estúdios adoptassem algumas formas de controle criativo que, com melhores ou piores resultados, se têm mantido ao longo das últimas três décadas.

>>> Obituário: IndieWire + New York Times + Libération.
>>> O livro de Steven Bach sobre a rodagem de As Portas do Céu: Final Cut
(1985).
>>> Entrevista em The Hollywood Reporter (2015).