segunda-feira, julho 25, 2016

Cinema, natureza & ecologia

Fenómeno de culto em França, Amanhã é um documentário apostado em discutir os modos de contrariar as alterações climatéricas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Julho), com o título 'As notícias da morte da Terra são francamente exageradas'.

Quem tenha acompanhado os filmes de “super-heróis” dos últimos anos (e convenhamos que é preciso alguma resistência para o fazer, de tal modo os seus lugares-comuns dramáticos e simbólicos se vão repetindo até à exaustão...), estará longe de encarar de forma ligeira o futuro do nosso planeta. Na verdade, a imaginação (?) dos respectivos argumentistas tem confluído num mesmo aviso: os seres humanos estão à beira da extinção.
Será por isso que o documentário francês Amanhã se tornou um quase fenómeno de culto no seu país de origem? É verdade que, também neste caso, somos informados de que o futuro da raça humana está ameaçado. O certo é que, ao mesmo tempo, ficamos a saber que as notícias da morte do planeta Terra são francamente exageradas...
Lembremos que Amanhã parte de elementos cuja gravidade e seriedade nos compelem, pelo menos, a escutar e reflectir. Assim, de acordo com um artigo da autoria de Elizabeth Hadly (bióloga da Universidade de Stanford) e Anthony Barnosky (palentólogo de Berkeley), publicado na revista Nature, o comportamento dos humanos face ao planeta que habitam já não se pode medir apenas pelos inquietantes índices de poluição e pelas evidentes e perturbantes alterações climatéricas. No limite, é a nossa sobrevivência que está em discussão — Barknovsky considera mesmo que, se não se tomarem medidas muito sérias ao longo dos próximos 20 anos, a decomposição do nosso sistema de vida será irreversível e, numa palavra, fatal.
Ao mesmo tempo, a realização de Cyril Dion e Mélanie Laurent (ele com uma carreira marcada pelo documentarismo televisivo, ela uma actriz que também já dirigiu alguns filmes, incluindo o belíssimo Respira, lançado em 2014) nunca se afasta de uma lógica narrativa que obedece, ponto por ponto, à mais vulgar rotina televisiva: colocar um microfone à frente de “especialistas” e ligar tudo com um comentário off, didáctico e pomposo, que nunca abdica de uma lógica de sermão “ideológico”.
Por várias vezes, a equipa de Dion e Laurent filma-se mesmo como um grupo de saltimbancos mais ou menos coloridos (com canções de “mensagem” na banda sonora). Por certo sem darem conta disso, parecem imitar os clichés iconográficos dos “hippies” da década de 60, sempre à escuta de uma revelação transcendental que ninguém parece saber definir.
Seja como for, em defesa do filme, importa sublinhar que Amanhã contraria o catastrofismo dominante, celebrando as experiências que, nos mais diversos domínios (agricultura, energia, gestão financeira, etc.) e também em contextos muito distintos (EUA, Dinamarca, Índia, etc.), mostram que é possível pensar — e, sobretudo, agir — para além dos padrões decorrentes dos interesses das mais poderosas forças económicas. É, pelo menos, uma maneira de contrariar o niilismo dos “super-heróis” que só garantem a nossa sobrevivência depois de, à custa de efeitos especiais cada vez mais vulgares, destruírem uma série de grandes metrópoles... Neste caso, prevalece o elogio das energias vitais.