quinta-feira, julho 07, 2016

Bowie na Cinemateca (2/2)

DENEUVE + BOWIE
The Hunger / Fome de Viver (1983)
Desde o dia 1, está a decorrer na Cinemateca um ciclo dedicado a David Bowie — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Julho), com o título 'David Bowie, figura bizarra e sedutora também no cinema'.

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Para além de Feliz Natal, Mr. Lawrence e Labirinto, a interpretação mais conhecida de Bowie será, muito provavelmente, a de John Blaylock, em Fome de Viver (1983). Casado com Miriam (Catherine Deneuve) desde o séc. XVIII, Blaylock é um vampiro que vive uma existência discreta na Nova Iorque contemporânea, escolhendo metodicamente as suas vítimas de modo a preservar a juventude eterna. A realização é de Tony Scott, estreante na longa-metragem que, três anos mais tarde, assinaria Top Gun, com Tom Cruise — o estilo de Scott, em grande parte devedor de uma estética publicitária, gerou um novo visual para o clássico filme de vampiros, também ele consagrado como referência de culto.
Será possível ver ainda algumas participações de Bowie que, apesar de breves, adquiriram uma dimensão quase lendária: é o caso de Twin Peaks: Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer (1983), de David Lynch; A Última Tentação de Cristo (1988), em que Martin Scorsese lhe entregou a personagem de Pôncio Pilatos; e Basquiat (1996), de Julian Schnabel, um retrato do pintor Jean-Michel Basquiat, com Bowie a compor Andy Warhol num exercício de impressionante “coincidência” com a imagem (e a voz) da personagem real (dia 18).
O ciclo inclui ainda alguns títulos em que ele não participa como actor, marcando presença através da sua criação musical — é o caso de Má Raça (1986), de Leos Carax, em que as atribulações do par Juliette Binoche/Denis Lavant são pontuadas pela canção Modern Love, do álbum de 1983, Let’s Dance.
O exemplo mais célebre será o de Putting Out Fire, do filme Cat People/A Felina (1982), de Paul Schrader. Composta em colaboração com o produtor Giorgio Moroder, a canção teria uma insólita e fascinante utilização em Sacanas sem Lei (2009), de Quentin Tarantino. Passava-se da fábula animalesca de Schrader (inspirada no filme homónimo de Jacques Tourneur, produzido em 1942) para a delirante revisão das leis do épico sobre a Segunda Guerra Mundial. Na altura, Tarantino declarou que sempre achara que a utilização de Putting Out Fire [teledisco, com imagens do filme] no genérico final de Cat People era um desperdício, já que a canção merecia toda uma sequência construída em torno da sua vertiginosa sonoridade — foi o que ele fez e só podemos concordar com tal apropriação.