domingo, junho 19, 2016

Shostakovich, sob a sombra de Estaline


Uma nova integral da obra sinfónica de Shostakovich (uma das mais importantes do repertório de música orquestral do século XX) começa a ganhar forma com um segundo disco que o maestro letão Andris Nelsons grava, juntamente com a Boston Symphony Orchestra, para a Deutsche Grammophon. Nelsons já tinha antes gravado Shostakovich. E data, por exemplo, de 2012 uma edição, pela Orfeo, de uma Sinfonia Nº 7, com a City of Birmingham Symphony Orchestra. Mas em 2015, com a orquestra de Boston, encetou um ciclo de gravações ao editar uma interpretação da Sinfonia Nº 10, numa série que apresenta como título “Under Stalin’s Shadow”. Para breve está anunciado novo disco, com as sinfonias números 6 e 7. Para já, podemos ouvir, num CD duplo, as sinfonias números 5, 8 e 9, assim como a suite de Hamlet. E vale a pena notar, desde logo, como entre as três sinfonias passam ecos do jogo de convulsões e contrastes que foi o relacionamento (difícil) do compositor com o regime de Estaline que é, de resto, tema do mais recente livro de Julian Barnes (que acaba de ser lançado entre nós)..

Estreada em 1937, a Sinfonia Nº5 representou um momento de reaproximação entre Estaline e a música de Shostakovich após o atribulado “caso” que se seguiu à apresentação da ópera Lady Macbeth de Mtensk, da qual se diz que o ditador saiu após o primeiro ato. Um artigo, no Pravda, falou então de “caos” em vez de música. E nas duas semanas seguintes outros dois textos apontariam exemplos de “formalismo” na música do compositor. Ou seja, o horror indesejado por um regime que afunila a arte como nada senão um instrumento de uma ideia. Shostakovich trabalhava então na sua Sinfonia Nº 4, que acabaria por deixar na gaveta para estrear apenas em 1961, bem depois da morte de Estaline.

Com primeira apresentação em 1943, na sequência da aclamada Sinfonia nº 7 (que refletia a história da resistência de Leninegrado ao cerco alemão, representando assim uma afirmação de confiança na vitória), a Sinfonia Nº 8 respira uma pulsão trágica que lhe valeu, na estreia, um acolhimento completamente diferente da precedente. A sinfonia chegou a estar integrada numa lista de obras proibidas pelo poder russo a partir de finais dos anos 40, sendo reabilitada apenas em meados dos anos 50. O trágico e longo adágio que abre a sinfonia registava então um um eco de um sofrimento maior que não se explica apenas pelos momentos dramáticos vividos em tempos de guerra.

A Sinfonia Nº 9, originalmente apresentada como uma obra coral e majestosa, pensada para assinalar a vitória final na II Guerra Mundial, acabou por conhecer outro destino. Mais simples, mais direta, mais curta, celebrou o fim do terror, mas com uma luminosidade invulgar e outro ânimo. E assinalaria o fim de uma era já que, quando voltou a estrear uma sinfonia, o fez só depois da morte de Estaline.