segunda-feira, junho 13, 2016

Memórias + Cannes + HBO

VISITA OU MEMÓRIAS E CONFISSÕES
Manoel de Oliveira
Algumas notas sobre as actuais relações cinema/televisão — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (10 Junho), com o título 'Na teia do cinema'.

1. Reencontro o filme Visita ou Memórias e Confissões, de Manoel de Oliveira, a passar num canal do cabo (TVCine) e não posso deixar de me interrogar sobre a estranheza do seu efeito. Será que os espectadores que o descobrem por acidente, nas rotinas do zapping, reparam que Oliveira o entregou à Cinemateca Portuguesa no começo da década de 80 para apenas ser mostrado depois da sua morte? Não se trata, entenda-se, de julgar esses espectadores (em nome de quê, afinal?). Trata-se apenas de reconhecer que o cinema lida com a morte para lá das rotinas da própria televisão.

2. Não é demais insistir no facto de o recente Festival de Cannes ter sido uma importante montra do estado actual do cinema e, em particular, daquele que se faz na Europa. Para além das frases feitas dos burocratas da política, importa lembrar que isso acontece, não através de ideias abstractas, mas de pessoas concretas. A reportagem Cannes Special que o canal Arte transmitiu pode servir de mostra eloquente. Pontos interessantes a reter, sublinhados por alguns dos entrevistados: a presença crescente de muitos títulos de distribuição independente e a importância que é atribuída ao papel dos meios jornalísticos no conhecimento da diversidade do cinema que se faz no nosso continente.

3. Nesta teia contemporânea do cinema, escusado será dizer que o papel dos canais televisivos continua a ser decisivo — a começar pela produção, claro. Eis um facto interessante e sintomático: nos EUA, o canal HBO acaba de convidar dois autores “oscarizados” — Kathryn Bigelow (Estado de Guerra) e Adam McKay (A Queda de Wall Street) — para dirigir episódios-piloto de novas séries. Decididamente, as notícias que reduzem a produção americana aos “blockbusters” estão a passar ao lado do essencial.