sábado, maio 07, 2016

Três treinadores e um Presidente

No imaginário televisivo, ser treinador de futebol é desfrutar de importantes privilégios simbólicos — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (6 Maio).

Alguns sectores da política portuguesa têm sido atravessados por uma inquietação: Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, estaria a ter uma presença excessiva no dia a dia dos portugueses... O mais curioso em tal reparo é o facto de, através dele, se reflectir um entendimento específico do espaço televisivo.
De facto, quando alguém aponta tal “pecado” ao Presidente, isso significa apenas que se está a avaliar o número de presenças televisivas de Marcelo. Poderia reflectir-se, por exemplo, sobre a sua passagem de comentador para o estatuto de mais alto magistrado da Nação (através de uma notável reconversão discursiva e simbólica, pelo menos na minha perspectiva). Mas não é disso que se trata: estamos perante uma visão pueril da vida social em que, implicitamente, se considera que as figuras públicas o são apenas através da “imagem” que a televisão lhes confere.
O mais espantoso de tal visão é que os mesmos que consideram, agora, que há Presidente “a mais” nunca teceram a mais breve consideração sobre o facto de outras personalidades — Rui Vitória, Jorge Jesus e José Peseiro — aparecerem todos os dias, várias vezes por dia, cumprindo uma espécie de assinatura mediática cuja validade seria interessante questionar.
Podem repetir infinitas vezes que o próximo jogo vai ser “difícil”... Podem insinuar que todas as suas derrotas resultaram de arbitragens “duvidosas”... Podem até apresentar-se como objectos de uma dramática “pressão”... Passam os dias a encher-nos os ouvidos e as cabeças com banalidades de bradar aos céus, mas ninguém se pronuncia sobre a inanidade das suas palavras. Ao mesmo tempo, Marcelo Rebelo de Sousa parece ser uma figura descartável e dispensável apenas porque, meritoriamente (digo eu), está a tentar transformar as componentes afectivas do discurso político. Moral da história: ser treinador de futebol é um posto televisivo.