domingo, maio 29, 2016

CANNES 2016 — elogio dos clássicos

Será que os clássicos vão ter repercussão, em particular no espaço televisivo? — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (27 Maio).

No recente Festival de Cannes (11/22 Maio), a secção de clássicos esteve longe de fazer manchetes nos noticiários televisivos (a começar pela França, entenda-se). E, no entanto, por lá passaram cópias restauradas de títulos tão significativos com Contos da Lua Vaga (1953), do mestre japonês Kenji Mizoguchi, ou Masculino Feminino (1966), belíssima crónica social dos tempos da Nova Vaga francesa com assinatura de Jean-Luc Godard, a par de raridades absolutas como Ikarie XB 1 (1963), de Jindrich Polak, produção checoslovaca justamente apontada como um antepassado do 2001: Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick.
A relativa indiferença do universo televisivo em relação aos filmes “antigos” corresponde, afinal, a uma atitude corrente: o culto das memórias cinéfilas deixou de ser uma prioridade, prevalecendo antes uma visão ligeira, mais ou menos pitoresca, da história do cinema.
Não podemos generalizar, é verdade. E não devemos esquecer alguma diversificação a que se tem assistido no cabo. No contexto português, mesmo não esquecendo a ausência de qualquer discurso histórico capaz de enquadrar os clássicos, importa referir o significativo aumento de produções de há várias décadas nos canais TVCine — recordo o exemplo recente de uma esplendorosa cópia de Duas Semanas Noutra Cidade (1962), de Vincente Minnelli [imagem promocional ilustra este post].
Os filmes apresentados em Cannes não são uma curiosidade museológica, reflectindo o valor que tem sido reconhecido aos restauros digitais. A sua existência favorece um genuíno enriquecimento da oferta que se sente no mercado do DVD (e, em particular, do Blu-ray), potenciando também o âmbito das programações televisivas. Do ponto de vista das representações culturais, está em jogo a superação de uma visão caricatural dos filmes de todos os passados, devolvendo-os ao presente, criando condições para que os descubramos na sua perene actualidade.