segunda-feira, abril 04, 2016

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Ray Lamontagne, Ourobros

Confesso que cheguei ao disco pela capa... Uma foto da Lua, sob um filtro avermelhado, que tão boa gente já confundiu com uma imagem de Marte. Até mesmo o Google!... Só depois reparei no nome: Ray Lamontagne. Nunca antes lhe tinha dado mais do que uns breves minutos de atenção, porque desistia sempre de cada novo disco após algumas faixas quase sempre desinteressantes. Não parecia nunca mais do que ser autor de um rock’roll para o mais banal FM tocar, aqui e ali com tempero country, folk ou rhythm and blues... Tudo nos sabores de supermercado. A capa de Ourobros seria então, ao sexto álbum do músico de New Hampshire, o mote para tentar um novo mergulho na sua música. E valeu a pena. Depois de três primeiros discos produzidos por Ethan Johns, começou a mudar azimutes com maior frequência. Produziu ele mesmo o quarto. Entregou o quinto, Supernova (onde levantava algumas ideias mais interessantes, abrindo alguns temas caminhos para o que agora se materializa no novo disco), às mãos de Dan Auerbach dos Black Keys... E agora, ao sexto álbum, chamou ao estúdio Jim James, dos My Morning Jacket. E, diferente de todos os que antes lançara, encontrou em Ourobros o terreno onde a sua voz e composição ficaram bem servidos por uma cenografia que aqui faz a diferença.

Muitas vezes comparado no passado a nomes como os de Van Morrisson ou Tim Buckley, em Ourobros Ray Lamontagne descobre outros horizontes sob ecos de várias etapas na obra dos Pink Floyd. Se canções como (o belíssimo) Homecoming ou Another Day mantém ligações aos espaços mais habitualmente ligados ao registo do singer songwriter pouco dado a grandes adornos, já o resto do disco caminha entre outras cenografias, caminhando entre memórias do rock psicadélico, juntando frequentemente a presença de guitarras de escola bluesey, com conta peso e medida. Há paisagens definidas por teclas que Rick Wright não desdenharia e uma relação com a guitarra que não esconde uma admiração por David Gilmour.

Sussurrante, a voz caminha sem disputar protagonismo com o corpo instrumental, sugerindo o alinhamento (dividido em duas partes, como num LP em vinil) um percurso tematicamente arrumado como a tradição dos discos como conceito ensinou. Ourobros, mesmo tendo em Ain’t No Pressure um single que se destaca (por via da sua alma herdada dos blues, um pouco à Lenny Kravitz na fase Look Mama) dos demais sete temas do álbum, e conhecendo em The Changing Man uma bela revisitação de memórias do psicadelismo, vale como uma experiência total como álbum. Na era da fragmentação e da música servida às fatias, está aqui um belo e discreto sinal de que nem tudo está esquecido. Pode ser tudo uma grande encenação. Mas desde quando é que o teatro e a ficção são coisa má?