terça-feira, abril 12, 2016

Cinema v. televisão

De que falamos quando falamos de cinema? De que falamos quando falamos de televisão? — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (8 Abril), com o título 'Onde está o cinema?'.

1. Sinal dos tempos: muitos cartazes de filmes estão nas nossas ruas, não por causa da respectiva estreia nas salas, antes porque vão começar a passar em algum canal de televisão. Que o espaço televisivo passou a ser determinante na vida comercial de qualquer filme, eis uma realidade de que ninguém duvida (e que não faz sentido demonizar). Mas vale a pena perguntar se os agentes desta cultura televisiva do cinema já se questionaram sobre o papel que querem atribuir às salas. Porque, além do mais, surge uma dúvida: será possível sustentar a vida comercial dos filmes apenas através dos ecrãs televisivos?

2. Quanto mais avança a quarta temporada de House of Cards (TV Séries), nomeadamente através da tentativa de assassinato do Presidente Underwood (Kevin Spacey), mais se torna claro que a sua dramaturgia não pode ser dissociada de um certo cinema político (entenda-se: atento às convulsões da cena política) que pontua toda a história de Hollywood. Isso passa pelo fôlego moral do projecto, mas também pela sua muito clássica sofisticação narrativa. Observe-se, em particular, como se recusam as facilidades de “aceleração” de muitas matrizes televisivas: o tempo de cada acção resulta, não de uma ilusão pueril de “velocidade”, antes das necessidades intrínsecas de palavras e gestos. Será preciso relembrar que, à sua maneira, House of Cards é uma série vertiginosa?

3. A televisão serve para ver o mundo. Eis uma verdade de La Palice que importa questionar. Porquê? Porque o mundo não se oferece como coisa transparente. Siga-se a série Billions (TV Séries), por exemplo, sobre os movimentos especulativos de uma empresa financeira: para além do que se vê, a circulação técnica do dinheiro (“acções”, “investimentos”, etc.) envolve poderes ocultos muito para além da terminologia que a enquadra. No fundo, o seu tema é o dinheiro como conceito de ordem.