terça-feira, março 29, 2016

Viva o cinema italiano!

Começa hoje mais uma edição da Festa do Cinema Italiano, cruzando clássicos e modernos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Março), com o título 'Festa do Cinema Italiano combina fantasia e realismo'.

Está a chegar a nona edição da Festa do Cinema Italiano — a partir de quarta-feira, em Lisboa (cinemas São Jorge e UCI-El Corte Inglês, e Cinemateca, até 7 de Abril); depois em mais 14 cidades, até meados do mês de Julho. Desta vez, o evento prolongar-se-á até ao mês de Agosto, chegando a salas de Brasil, Angola e Moçambique.
Mais do que nunca, a iniciativa da associação cultural Il Sorpasso aposta no cruzamento da actualidade da produção italiana, em particular na revelação de novos cineastas, com a revisitação de diversas memórias históricas. Assim, a abertura oficial (São Jorge, dia 30, 21h30) será feita com a ante-estreia de O Conto dos Contos, de Matteo Garrone, que esteve o ano passado na competição do Festival de Cannes, surgindo no dia seguinte (UCI, dia 31, 21h45) a cópia restaurada do clássico Oito e Meio (1963), de Federico Fellini.
O paralelismo é tanto mais sugestivo quanto Garrone reconhece em Fellini uma das suas referências tutelares. Em Cannes, precisamente, numa conversa em que o DN participou, Garrone lembrou a “influência determinante de Pasolini e Fellini, mas também de Dario Argento e Mario Bava”. Em jogo está, afinal, a exploração de “um tipo de fantasia e fantástico que não exclui o realismo”. Mais do que isso: “um gosto hiper-realista”.
O Conto dos Contos é uma produção italiana, com a participação de um produtor francês (Jean Labadie) e outro inglês (Jeremy Thomas), apostada em recriar os mundos delirantes do poeta napolitano Giambattista Basile (1566-1632). Para Garrone, a viagem às fábulas do séc. XVII envolvia também a redescoberta dos poderes primitivos do cinematógrafo: “Quisemos encontrar uma linguagem que nos remetesse para as origens do cinema, até Georges Méliès. Daí que tenhamos procurado cenários naturais que pudessem parecer artificiais; ao mesmo tempo, em estúdio, construímos cenários que, sendo artificiais, tivessem um toque realista.” Num certo sentido, o cineasta reencontrava as suas origens criativas: “Fui pintor, antes de realizar filmes. E é um facto que, ainda criança, gostava de desenhar histórias: aos sete anos, fazia verdadeiros storyboards...”
Com um elenco internacional que inclui os nomes de Salma Hayek, Vincent Cassel, Toby Jones, Alba Rohrwacher e John C. Reilly, com direcção fotográfica de Peter Suschitzky (colaborador habitual de David Cronenberg), O Conto dos Contos é falado em inglês. Cedência aos padrões dominantes? Garrone desdramatiza tal opção, sublinhando as nuances de qualquer noção de fidelidade: “Quando lemos agora estes contos, é necessariamente numa tradução, não no dialecto napolitano original; além do mais, considerámos que a língua inglesa podia ajudar a alcançar uma audiência mais alargada, dando a Basile a possibilidade de, finalmente, ser conhecido em qualquer recanto do mundo.”

Homenagem a Ettore Scola

A passagem de O Conto dos Contos antecede a sua estreia comercial, na quinta-feira, dia em que será também reposta a nova cópia de Oito e Meio. Entre as memórias propostas figura ainda outra cópia restaurada, de A Vida É Bela (1997), de Roberto Begnini, e uma evocação da obra do recentemente falecido Ettore Scola (na Cinemateca), incluindo o lendário A Ultrapassagem (1962), de Dino Risi, em cujo argumento Scola colaborou.
A programação inclui uma secção competitiva, com seis títulos de novos autores, a serem avaliados por um júri constituído pelo actor italiano Ronaldo Bonacchi, Tiago Alves (jornalista e crítico, Antena 1) e João Monteiro (co-director do MOTELx); entre os filmes sleccionados, um deles, A Espera, de Piero Messina, já tem distribuição assegurada no mercado português (estreia 14 Abril). Das outras secções, também a serem lançados nas nossas salas, estão programados: Suburra, de Stefano Sollima, Mergulho Profundo, de Luca Guadagnino, Anna, de Giuseppe Gaudino, Quo Vado?, de Gennaro Nunziante, este um grande sucesso da mais recente produção italiana, a ser apresentado na sessão de encerramento (São Jorge, dia 7 Abril, 21h30).