Como está a ser pensada a dinâmica de estreias do mercado cinematográfico? E será que alguém a está a pensar?... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Março).
Depois da temporada dos prémios de cinema, finalizada com os Oscars, o mercado internacional está a entrar num novo ciclo, como sempre dominado pelos blockbusters. Na prática, isto significa que o espectador comum passou a ser metralhado com campanhas de elaborada agressividade que, voluntariamente ou não, tendem a afunilar as próprias opções de consumo — na saturação de “informação” em que vivemos, parece não haver mais nada para ver a não ser as últimas aventuras dos super-heróis da Marvel (que, convém não esquecer, se transformou numa das forças mais poderosas da indústria de Hollywood).
Bem sabemos que o terreno está minado de equívocos. A começar por aquele que favorece a mais básica estupidez: os “críticos” estariam sempre contra o grande espectáculo... Noutros tempos, a defesa de Batman (1989), de Tim Burton, servia de pretexto para acusar os mesmos “críticos” de terríveis cumplicidades com todas as monstruosidades que pudessem vir da América...
Hoje, como sempre, antes mesmo de qualquer consideração especificamente cinematográfica (há filmes “bons” e “maus” em todos os modelos de produção), o problema de fundo está na capacidade do mercado cinematográfico — por exemplo, num pequeno país como Portugal — preservar o fundamental valor da diversidade. Mais do que isso: conseguindo expor essa diversidade em todas as plataformas mediáticas.
Há cerca de dois anos, um analista do mercado dos EUA (Peter Bart, da revista Variety) comentava, com grande preocupação, o facto de, em determinada semana do Verão, os espectadores americanos terem à sua disposição seis novas estreias. E perguntava: como é que o espectador médio vai ter disponibilidade para consumir tantos títulos? Pois bem, nas salas portuguesas, nas próximas três semanas, surgirão, sucessivamente: oito, dez e treze filmes!
Não está em causa, insisto, que possam aparecer alguns excelentes blockbusters. Acontece que todos os outros títulos, incluindo os que envolvem alguma dimensão espectacular — penso, por exemplo, no caso desse belíssimo “filme-ópera” que é A Assassina, de Hou Hsiao-Hsien —, parecem condenados a uma discreta visibilidade. E é um facto que se anunciam alguns objectos potencialmente muito interessantes como: À Sombra das Mulheres, nova deambulação afectiva do francês Philippe Garrel; Mergulho Profundo, com assinatura do italiano Luca Guadagnino (autor de Eu Sou o Amor); ou O Abraço da Serpente, do colombiano Ciro Guerra, nomeado para o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Não tenhamos ilusões: a lógica de evolução do audiovisual, nomeadamente através das várias formas de difusão televisiva ou em “streaming”, tende a desvalorizar o papel das salas. Resta saber se não se corre o risco de condenar essas mesmas salas ao papel dominante de rentabilização acelerada dos blockbusters, destruindo a sua dimensão simbólica e, no limite, o seu valor comercial.