O futebol televisivo está cada vez mais marcado por retóricas que transformam tudo em episódios deterministas, contrariando o simples prazer do jogo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Março), com o título 'Elogio de Groucho Marx'.
1. O futebol televisivo vive da incansável (?) repetição de retóricas que, provavelmente, ninguém está empenhado em questionar. Assim, há poucos meses, um vento trágico abalou os cenários de muitos debates: este seria o ano da estrepitosa derrocada do Benfica... Algum tempo depois, o F. C. Porto passou a ser tratado como protagonista de todos os assombramentos do universo futebolístico — nunca mais a equipa conseguiria recuperar as glórias de tempos remotos... Agora, parece ter chegado a vez do Sporting: a semana passada estava em primeiro lugar e era observado, escalpelizado e incensado como um imaculado prodígio; esta semana perdeu, desceu um lugar e, aparentemente, será despromovido à terceira divisão (se é que a terceira divisão ainda existe). É, de facto, espantoso como o imaginário do futebol vive desta infinita banalização de coisa nenhuma. Numa tentativa de trazer algum racionalismo para a questão, talvez se pudesse lembrar, por exemplo, que o Sporting está apenas a dois pontos do primeiro lugar e que, já agora, uma das equipas portuguesas com mais nobre dimensão mitológica (estou a pensar na Académica de Coimbra), atravessa uma situação ligeiramente mais complicada... Mas seria ingenuidade julgar que tudo isto acontece em nome de alguma vontade realista. Na verdade, trata-se apenas de encontrar uma tragédia por semana.
2. No intervalo do Tottenham-Arsenal (BenficaTV), julguei que, por milagre, uma brisa de bom senso tivesse abençoado o planeta futebolístico, finalmente surgindo alguém com a coragem simples de reconhecer que um jogo não é um tribunal: “O futebol não se compadece com justiças”, dizia, judiciosamente, o comentador... Cerca de uma hora mais tarde, já se tinha arrependido e proclamava: “O resultado é inteiramente justo.” Convenhamos que as diatribes discursivas de Groucho Marx são mais coerentes.