segunda-feira, março 14, 2016

Malick — um cineasta das margens

O novo filme de Terrence Malick, Cavaleiro de Copas, demorou mais de um ano a chegar às salas portuguesas, confirmando-o como o mais paradoxal dos autores marginais — este artigo foi publicado na revista Metropolis (nº 36), com o título 'Um cineasta lendário'.

O filme Cavaleiro de Copas, de Terrence Malick, teve a sua primeira exibição pública no Festival de Berlim, em Fevereiro de 2015. Mais de um ano depois, em Março de 2016, chega às salas americanas (e de outros países, incluindo Portugal). Esta “espera” é, por si só, reveladora do lugar bizarro que a obra de Malick ocupa no mercado: por um lado, não deixa de ser reconhecida como um singularíssimo fenómeno artístico; por outro lado, dir-se-ia que os circuitos de difusão não sabem o que fazer com ela, mesmo quando, como é o caso, o seu trabalho convoca um elenco que envolve, entre outros, os nomes de Christian Bale, Cate Blanchett e Natalie Portman.
Em boa verdade, Malick sempre foi um cineasta a trabalhar com alguns dos actores mais populares de Hollywood e, ao mesmo tempo, existindo nas suas margens (ou para elas sendo empurrado). Dir-se-ia um independente que se expressa, paradoxalmente, a partir do núcleo da grande indústria.
Noivos Sangrentos, o lendário Badlands (1973), foi a sua primeira longa-metragem, encenando a saga de um casal de jovens, interpretados por Martin Sheen e Sissy Spacek, que actualizam, de forma trágica, a mitologia do western. Passaram-se cinco anos até Dias do Paraíso (1978), poema dramático sobre um mundo rural na viragem dos séculos XIX/XX, um dos primeiros papéis importantes de Richard Gere [trailer].


A partir daí, dir-se-ia que a carreira de Malick se tornou indissociável de uma fascinante dimensão lendária. E com a raridade que tal implica. Assim, decorreram duas décadas até A Barreira Invisível (1998), filme de guerra que se confundia com um retrato íntimo da solidão humana. O Novo Mundo (2005), porventura o seu filme mais desequilibrado (ou mais afectado pelas diversas versões, com distintas durações, com que foi difundido), revisitava a personagem de Pocahontas e as origens mitológicas da América.
Só em anos recentes se ampliou a visibilidade do cinema de Malick (não necessariamente do próprio cineasta, avesso a exposição pública e entrevistas). A Árvore da Vida (2011), com Brad Pitt, Jessica Chastain e Sean Penn, um drama familiar ao que parece com algumas componentes auto-biográficas, arrebatou a Palma de Ouro em Cannes, seguindo-se A Essência do Amor (2012) e Cavaleiro de Copas. De acordo com as notícias mais recentes, Malick tem pronto Weightless, filmado em simultâneo com Cavaleiro de Copas, e está a terminar o documentário Voyage of Time. Ironicamente, Cavaleiro de Copas, tendo estreado agora nos EUA, poderá surgir em 2017 nas nomeações para os Oscars.