quarta-feira, março 30, 2016
Eu, o filme e aquele título infeliz
Não há nada de errado em retomar ideias e caminhos já antes percorridos se houver bons ingredientes em jogo e uma capacidade de os integrar num novo contexto. É o que sucede com Me and Earl and The Dying Girl, a aclamada segunda obra do realizador Alfonso Gomez-Rejon, que até aqui era talvez mais conhecido pelo seu trabalho em televisão em séries como Glee ou American Horror Story. O filme entre nós estreou com o título desastroso “Eu, o Earl e a Tal Miúda”, que em nada traduz o primeiro impacte favorável que o seu título original sugere. Aliás, se os distribuidores refletirem sobte porque por vezes falham aqui os filmes que lançam em sala, pensem melhor na hora de lhes dar título português... Este sugeria uma comédia romântica pateta para público juvenil. É um filme juvenil na sua essência, sim. Mas um claro exemplo de criação para uma sensibilidade “indie”, tal como o foram Juno ou 500 Days of Summer. E convenhamos que o título traduzido não dá a ideia de o ser. De todo...
Bom, voltemos ao filme, que agora tem já edição em DVD entre nós... O ponto de partida convenhamos que não é novo. E a ideia de uma narrativa centrada num relacionamento (de amizade ou amoroso) com alguém com uma doença terminal na linha do horizonte conheceu paradigma no clássico Love Story, de Arthur Hiller, em 1970. Me and Earl and The Dying Girl reenquadra contudo as premissas de base com mais alguma imaginação do que o relativamente recente 50/50 de Jonathan Levine.
O ponto de partida é simples. Greg, que padece de uma irrevogável falta de autoestima, mas que conseguiu passar incólume pelos desafios da vida na escola ao fazer crer que se enquadra em cada um das tribos de estudantes, é um dia obrigado pela mãe a fazer companhia a Rachel, uma vizinha, da sua idade, a quem foi diagnosticada uma leucemia. Da obrigação a companhia acaba por revelar afinidades e empatia. Em cena entra ainda Earl, o único verdadeiro amigo de Greg, ambos ocupando o seu tempo a fazer pequenas variações lo-fi de filmes clássicos. Fazer um filme para a rapariga que está a morrer é tarefa que se eterniza... E o resto fica para contar depois de visto o filme.
Os condimentos que o filme acrescenta a este corpo de histórias estão sobretudo materializados na cinefilia do realizador, projetada nos filmes caseiros de Greg e Earl e em memorabilia que a art direction tratou de colocar em cena. O contexto presente traduz-se sobretudo nos vários jogos de
comportamentos (individuais e sociais). E como cereja sobre o bolo há uma banda sonora assinada por Brian Eno (feita de inéditos e de temas antigos), com participação de Nico Muhly em alguns momentos e uma curta-metragem, assinada por Edward Burch e Nathan O. Marsh, que representa o filme criado para Rachel. Premiado em Sundance e tendo depois merecido outras várias distinções, Me and Earl and The Dying Girl não é de todo um filme para fixar na história do cinema uma expressão maior da representação da juventude do tempo presente. Mas destaca-se entre a fornada de alma “indie” que serve esse mesmo público no presente.