A exibição dos episódios da nova temporada de House of Cards reflecte os prós e os contras de todo um conceito de difusão televisiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Março), com o título 'Um castelo de cartas'.
Hoje em dia, por vezes, o universo televisivo não valoriza a língua portuguesa. E não estou apenas a falar da hecatombe gramatical e discursiva todos os dias protagonizada por alguns treinadores e jogadores de futebol — em última instância, muitos deles nem terão consciência de que foram mediaticamente “empurrados” para um protagonismo que não se fundamenta em nenhuma necessidade informativa, muito menos em qualquer valor socialmente pertinente.
A identificação das séries televisivas é um dos domínios em que a maior parte dos difusores deixou de fazer qualquer esforço. Não há nenhum purismo linguístico nesta observação. Haverá muitos casos em que a preservação do original se justifica. Mas há outros em que apenas se ignora o valor das palavras portuguesas.
Repare-se nessa série admirável que é House of Cards (cuja quarta temporada está a passar no TV Séries). O seu retrato dos bastidores do poder político em Washington expõe, de facto, um impressionante “castelo de cartas”, não havendo nenhuma motivação pertinente para, num caso como este, não utilizar a sugestiva tradução portuguesa, tão subtilmente simbólica como o título original.
Com a personagem de Frank Underwood (Kevin Spacey) no cargo de Presidente dos EUA, a nova temporada estabelece uma perturbante ligação metafórica com a actualidade, uma vez que no horizonte estão novas eleições presidenciais. Mais do que isso: a situação de ruptura com a mulher, Claire (Robin Wright), abre espaço a um conflito em que a questão fulcral do poder se cruza com os detalhes do mais assombrado intimismo. Isto sem esquecer que a introdução da personagem de Elizabeth Hale, mãe de Claire, além de adensar a teia familiar da intriga, nos permite reencontrar Ellen Burstyn, uma das grandes senhoras dos últimos cinquenta anos da história de Hollywood. Em boa verdade, há em House of Cards algo do grande cinema político que Hollywood quase deixou de fazer...