Robert Kramer em GESTOS & FRAGMENTOS |
Nome fulcral na história do cinema português do último meio século, Alberto Seixas Santos [completou 80 anos no dia 20 de Março] é autor de uma obra apostada em questionar as convulsões do nosso século XX. As suas cinco longas-metragens, de Brandos Costumes (1974) a E o Tempo Passa (2011), serão mostradas a partir de hoje num ciclo na Cinemateca que inclui também outros títulos em que participou como co-autor ou intérprete.
A trajectória de Seixas Santos [foto] é indissociável dos valores da geração do Cinema Novo (Ernesto de Sousa, Fernando Lopes, Paulo Rocha, etc.). Tais valores começaram por se afirmar nas práticas cineclubistas (foi dirigente e animador do ABC Cineclube de Lisboa) e na intervenção crítica (colaborou, por exemplo, nas revistas Imagem, Seara Nova e O Tempo e o Modo). Vivia-se um tempo em que a Nova Vaga francesa e a referência teórica e moral dos Cahiers du Cinéma condensavam uma ideia de um cinema realmente inovador cujo gosto de experimentação não podia ser desligado de uma vontade de metódica observação das dinâmicas sociais e políticas. E também do seu desejo de outras formas de vida — retomando uma expressão do próprio Seixas Santos, o ciclo intitula-se “O realismo utópico”.
Nesta perspectiva, Brandos Costumes é um singularíssimo objecto. Em primeiro lugar, porque coloca em cena o imaginário do Estado Novo a partir da figura de Salazar, presença emblemática dos jornais de actualidades das décadas de 1930/40 “recriada” pela figura paterna que administra o espaço familiar em que a acção se situa; depois, porque o faz a partir de um festivo jogo de linguagens em que a distanciação à maneira de Brecht não exclui, antes convoca, as referências populares vindas do nosso teatro de revista.
Documentário & ficção
As duas longas-metragens que se seguiram, Gestos & Fragmentos (1982) e Paraíso Perdido (1992) definem, com Brandos Costumes, uma trilogia exemplar sobre a herança do salazarismo e os primeiros anos da nossa democracia. Gestos & Fragmentos é mesmo uma experiência sem paralelo na produção portuguesa, discutindo as convulsões do pós-25 de Abril a partir de três frentes narrativas: numa encontramos Otelo Saraiva de Carvalho, comentando o seu papel nos acontecimentos; noutra, igualmente documental, Eduardo Lourenço apresenta a sua visão desses mesmos acontecimentos; noutra, enfim, assumidamente ficcionada, uma personagem interpretada pelo cineasta americano Robert Kramer (autor do clássico Milestones, de 1975) discute as peripécias e os enigmas do 25 de Novembro.
As dificuldades que marcaram a produção de Paraíso Perdido tornam-no, talvez, o momento mais “imperfeito” da filmografia de Seixas Santos. Em todo o caso, é um filme que importa reavaliar na evolução histórica do cinema português. Através da relação de um professor universitário e uma jovem com menos trinta anos que ele, somos confrontados com um labirinto de memórias e perplexidades em que o passado colonial colide com um presente recheado de interrogações. De alguma maneira, as personagens e histórias de Paraíso Perdido antecipam o misto de expectativa e desencanto que marca as diferentes gerações que encontramos em Mal (1999) e E o Tempo que Passa.
Seixas Santos estará presente hoje (21h30) na sessão de abertura, com E o Tempo Passa. No dia 29 (21h30), é exibida pela primeira vez na Cinemateca a curta-metragem A Rapariga da Mão Morta (2005), seguida de Refúgio & Evasão (2014), retrato filmado do autor com assinatura de Luís Alves de Matos. O ciclo termina no dia 30 (21h30), com a passagem de Mal; nesse mesmo dia (18h30), a Cinemateca promove um encontro/conversa com o realizador.