O novo sistema de projecção 4DX promete muitos "abanões" [texto de Rui Pedro Tendinha no DN]. Reabre-se, assim, um novo tempo de interrogação da especificidade do cinema — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Março), com o título 'A morte do cinema'.
O que é o 4DX? Digamos que neste momento de muitas especulações, discutir se será “bom” ou “mau” é coisa secundária. Posso até admitir que a sua implementação venha a contribuir para contrariar os prejuízos gerados pela pirataria, convidando muitos espectadores a regressar às salas.
A questão de fundo não é essa. Afinal de contas, desde as três dimensões (na década de 50) até às superproduções em 70 mm (na década seguinte), sabemos que a história do cinema se faz também do aparecimento cíclico de “formatos” apostados em contrariar a errância dos mais diversos sectores do público. O que importa discutir é a afirmação de uma ideologia cultural que, em última instância, ignora as especificidades cinematográficas, limitando-se a reproduzir e ampliar os valores do discurso comercial que sustenta o negócio dos videojogos.
Promover a ideia de que precisamos de maior “imersão” nos filmes é, por certo inadvertidamente, minimizar o génio com que George Méliès, Ingmar Bergman ou David Cronenberg nos souberam envolver (e, de facto, imergir) nas mais contrastadas convulsões visuais ou sonoras. Mesmo desejando o maior sucesso financeiro a este novo mercado, importa separar as águas e lembrar o mais simples: a crónica da morte anunciada do cinema faz-se também, assim, através do metódico apagamento do cinema como história e património.
Está a nascer outra “coisa”, porventura interessantíssima, mas para a qual importa inventar outro nome. Será que os espectadores de filmes já não procuram... filmes? Corremos mesmo o risco de, um dia destes, o liberalismo dominante surgir com uma sugestão para acrescentar alguns odores à sequência de Persona (1966) em que Bibbi Andersson narra a Liv Ullmann a orgia sexual em que se viu envolvida...