sábado, fevereiro 13, 2016

Edgar Pêra: filmar em 3D (1/2)

Em Lisbon Revisited, Edgar Pêra filma Lisboa a partir das palavras de Pessoa, desafiando os limites correntes do cinema a três dimensões — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (10 Fevereiro), com o título '“Os meus filmes não se contam por palavras"'.

Qual é o ponto de partida de Lisbon Revisited? As palavras de Fernando Pessoa ou as imagens da cidade?
Comecei por imaginar uma cidade apocalíptica, sem pessoas, ocupada pelo universo vegetal. A ideia das vozes-fantasma pessoanas surgiu depois, numa segunda fase de rodagem. Daí a grande liberdade da escolha dos textos: não houve uma preocupação de ilustração das palavras de Pessoa ou vice-versa. A complementaridade palavra/imagem/som foi feita de “sincronicidades” propositadamente acidentais durante a montagem. Só houve a preocupação de criar harmonia entre texto, imagem e banda sonora. Os fantasmas não narram o que vêm, exibem as suas obsessões.

Como é que fica estabelecida a estrutura final do filme? Em particular, como são tomadas as decisões para manipular as imagens?
A primeira grande decisão de manipulação/montagem foi a de inverter, em diferentes matizes, as cores das imagens filmadas durante o dia e manter o foto-realismo das imagens da noite. Assim, à noite, o Real assoma-se, e de dia só existem imagens-fantasma. A divisão em capítulos com títulos pessoanos, cria, a meu ver, uma estrutura mais livre. O grande desafio foi criar algo que não aparente ser programado, a acontecer em tempo real e sob um prisma trans-realista. Em vez de um Delírio em Las Vegas é um Delírio em Lisboa, como já li numa crítica italiana, quando o filme estreou em Locarno. Prefiro o termo delirante a psicadélico, por exemplo.

Aceita que se diga que o seu cinema é experimental? Porquê?
Tenho dificuldade em aceitar o termo experimental, que é tendencialmente uma forma de rotular tudo o que não se adapta nem à lógica de Hollywood nem à lógica do “cinema de autor”, o que faz com que esse de cinema permaneça longe das salas. Faço muitas experiências antes de filmar e nesse sentido aproximo-me de Hollywood, que faz inúmeros testes antes da rodagem. No meu caso, os testes podem prolongar-se até à montagem. Mas o filme não é um exercício de laboratório. No entanto, se substituíssemos experimental por experiencial, já não me oporia a esse termo. Pretendo que os meus filmes sejam algo de indizível, que não se conta por palavras. É preciso experienciá-los. Mas não tenho qualquer problema em fazer um filme-romance, desde que haja dinheiro (aliás, tenho na gaveta muitos guiões rejeitados). Senão fico-me pela cine-poesia.

Quais são (ou seriam) as boas condições de difusão de um filme como Lisbon Revisited? A evolução do mercado tem favorecido a diversidade, em particular no que se refere ao cinema português?
Há sempre um problema quando se filma em 3D, que é a escassez de salas equipadas. Lisbon Revisited foi auto-financiado, sem os apoios imprescindíveis do ICA (o projecto foi recusado). No entanto, conseguimos um apoio da CML e da Casa Fernando Pessoa, que nos permitiu organizar uma exposição de fotografias anaglíficas 3D e uma instalação, que prolonga o filme. As fotografias anaglíficas são à primeira vista bidimensionais, mas como que por magia transformam-se em objectos tridimensionais. Estou muito satisfeito que a Casa da Liberdade acolhesse a exposição (que inaugurará dia 17).

Como espectador, que filme ou filmes o impressionaram mais nos últimos tempos? E porquê?
Sou espectador das minhas imagens (e sons) uma parte substancial do dia, e sobra pouco tempo para ir ao cinema. Mas os filmes vêm ter a minha casa sob a forma de séries ditas televisivas. A última que vi com extremo agrado foi a primeira temporada de Fargo. Há um travelling que acompanha do exterior de um edifício uma matança em off, que é do melhor cinema que vi nos últimos tempos.