Depois de um lançamento fora de tempo e mais que discreto, O Jovem Prodígio T. S. Spivet já está disponível em DVD — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Dezembro), com o título 'A grande aventura de T. S. Spivet'.
O leitor conhece, por certo, o preconceito de alguns espectadores segundo o qual o facto de determinado crítico dizer bem de um filme os leva... a não ver esse filme! Espero sempre que tais espectadores não reparem no que, mal ou bem, vou escrevendo, porque não tenho especial gosto em saber que, por minha causa, desconhecem títulos como Taxi Driver, Apocalypse Now ou Million Dollar Baby...
O problema não decorre do facto, normalíssimo, de cada espectador ter mais apreço pela escrita de um ou outro crítico de cinema. O que importa discutir é a redução do trabalho crítico à noção grosseira segundo a qual escrever sobre filmes é tão só dizer “bem” ou dizer “mal”.
O pensamento crítico é isso mesmo: um pensamento, não uma colecção de notas desligadas de qualquer reflexão (as célebres estrelinhas não passam de uma convenção sugestiva, sem nada de científico). A questão é tanto mais pertinente quanto importa ter em conta que o poder efectivo da intervenção crítica na dinâmica do mercado é escasso. Aliás, corrijo: o mercado move-se em função de vectores em tudo e por tudo estranhos à especificidade da intervenção crítica.
Um bom pretexto para repensarmos tudo isso poderá ser a recente edição em DVD desse filme maravilhoso que é O Jovem Prodígio T. S. Spivet, de Jean-Pierre Jeunet, inspirado no romance de Reif Larsen (publicado pela Editorial Presença, com o título As Obras-Primas de T. S. Spivet). Terá sido um dos maiores falhanços comerciais de 2015, de alguma maneira determinado pelas atribulações de difusão que o foram condicionando (entre o lançamento em França, seu país de origem, e a estreia portuguesa decorreram quase dois anos).
Pois bem, apetece dizer que O Jovem Prodígio T. S. Spivet partilha algumas componentes fundamentais com o novo Star Wars. Quais? Três, pelo menos: a recuperação e revalorização da vocação épica do cinema (numa dupla relação com tradições cinematográficas e literárias); o espírito juvenil da aventura (através da odisseia de um rapazinho de 10 anos que é um génio da investigação científica); a valorização dos recursos das novas tecnologias (incluindo o uso do 3D que, em qualquer caso, não foi contemplado nas cópias distribuídas em Portugal).
Daí a pergunta: será que o leitor pôde dar conta da simples existência de O Jovem Prodígio T. S. Spivet, tal como soube que estava para ser lançado um filme chamado Star Wars: O Despertar da Força? Entenda-se: nada disto envolve qualquer minimização da inteligente reconversão do universo galáctico de George Lucas. Acontece que importa reflectir sobre o modo como o mercado confere (ou não) visibilidade a determinados filmes, afinal indissociável do modo como o espaço mediático ecoa os efeitos mais perversos do próprio marketing. Em qualquer caso, é sempre triste observar como um filme tão belo e inteligente como O Jovem Prodígio T. S. Spivet pode nem sequer chegar ao conhecimento dos seus potenciais espectadores.