segunda-feira, janeiro 25, 2016

Memória de Ettore Scola

Com a morte de Ettore Scola, no dia 19 de Janeiro (contava 84 anos), desapareceu um dos símbolos do "cinema social" italiano — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Janeiro), com o título 'Dias inesquecíveis'.

Em 1962, ainda antes de se estrear na realização, Ettore Scola surgiu associado (como argumentista) a um filme fulcral do cinema italiano da época: A Ultrapassagem, de Dino Risi, com Vittorio Gassman e Jean-Louis Trintignant. Na sua aparente ligeireza, a crónica da viagem de dois homens à procura de qualquer coisa de aventuroso envolvia uma desencantada visão do “liberalismo” da sociedade de consumo e da sua metódica destruição das relações humanas.
Simbolicamente, há outra maneira de dizer isto: as ilusões redentoras do neo-realismo tinham-se dissipado na poeira do tempo; os heróis trágicos davam lugar à banalidade de cidadãos alheios a qualquer ousadia heróica — será preciso recordar que Feios, Porcos e Maus (1976) se tornou um dos mais fortes emblemas da trajectória criativa de Scola?
Tal como Michelangelo Antonioni ou Federico Fellini, foi um cineasta atento às temáticas “sociais”. Em vez da perturbação filosófica do primeiro ou do utopismo obsessivo do segundo, cultivou um realismo crítico que, em determinado momento, talvez reflectindo a formatação televisiva de muitas produções italianas, terá deixado de o satisfazer. Daí o gosto metafórico de O Baile (1983), condensando várias décadas da Itália num recinto de dança, ou a mágoa nostálgica de Esplendor (1989), centrado no desmantelamento de uma velha sala de cinema. Uma das mais depuradas expressões dessa teia de sentimentos está em Um Dia Inesquecível (1977), melodrama intimista construído a partir do diálogo de duas personagens marginais, tendo por pano de fundo uma visita de Hitler à Itália de Mussolini; além do mais, tendo sido Scola um atento director de actores, raras vezes vimos Sophia Loren e Marcello Mastroianni num registo tão despojado e tocante como o que conseguem nesse filme.

>>> Obituário no New York Times.