quarta-feira, janeiro 13, 2016

Marcelo, candidato do PS (cont.)

PAUL KLEE
Gato à espreita
1939
1. A auto-definição do lugar político de Marcelo Rebelo de Sousa — "à esquerda da direita" — seria assunto de generalizada e contundente interrogação, não se desse o caso de a fórmula ser o simples reflexo do esvaziamento intelectual do debate político na sociedade portuguesa. De facto, não se trata de o penalizar por avançar com tão pueril caracterização, mas apenas de reconhecer que, na sua perversa candura, ele é apenas um sintoma da pobreza do espaço das ideias políticas.

2. Acontece que a lendária clivagem "direita/esquerda" não renasceu, radiosa, apenas porque o Partido Socialista fez uma acordo parlamentar com o BE e o PCP. Aliás, tal acordo, no seu formalismo instável, não passa do reflexo de uma indefinição que Marcelo aproveita, habilmente, para estabelecer este jogo de espelhos entre "direita" e "esquerda", obviamente alimentando um paisagem noticiosa que tem como prioridade a manutenção do ritmo de soundbytes que consegue integrar.

3. Confirma-se, assim, a adequação da candidatura de Marcelo aos interesses de governação do PS, reforçando a retórica de um não-lugar-ideológico que satisfaz, ainda que por denegação, o trabalho de António Costa. Marcelo, aliás, tem sido estranhamente pacífico face à avalanche mediático-esquerdista que, a certa altura, contra ele lançou uma dúvida existencial: "Pode ou não confiar-se nele?" Provavelmente, nas suas antigas funções televisivas, o mesmo Marcelo Rebelo de Sousa contraporia: e pode confiar-se nos partidos que se "aliaram" ao PS depois de, anos a fio, o demonizarem?... Afinal, o comentador faz-nos falta.